quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Blog novo: dêem boas vindas ao plurimãos!

Bem, ainda não sei se alguém frequenta este obscuro espaço. Mas caso o faça, aproveite e dê uma passada no blog coletivo que estou gerenciando com meu grande (e furador de chopes anuais) amigo Luis Antônio (o grande autor de nossa geração blogueira, aguardem e comprovem). A estratégia é simples: qualquer texto poderá ser publicado, de qualquer autoria (à excessão de Edmundo e Romário. E do Beto também), desde que seja uma criação coletiva.

Confiram: plurimaos.blogspot.com
E comentem, por favor!

domingo, 2 de dezembro de 2007

Ziraldeando

O azul ensolarado e vespertino emoldurava magnificamente sua fronte de menino destemido prestes a tomar a fortificação adversária. Não seria um movimento fácil, pois as caixas velhas e as árvores frondosas de primavera escondiam surpresas perigosas, adversários poderosos. E os pensamentos, estes sim os autênticos eficazes no tomar sorrateiro, se apropriaram de sua mente com a fúria de um rio represado por eras. Excitação, aquela palavra que Tia Terezinha mandara buscar no dicionário, é isso? Quer dizer que estava sentindo sua lição de casa pulsando viva na bomba irrequieta, dentro do peito, que papai diz ser o coração? Pobre papai, assertiu em silêncio, cardiologista há anos e mal sabia que tal órgão se alojava nas partes baixas, o único local que dói quando uma menina chuta, e foi ele mesmo quem disse que saberei onde fica essa parte do corpo no exato momento em que eu tomar o primeiro chute de uma menina. Seu pai ainda havia muito que aprender sobre coração e meninas, mas um quartel general inimigo precisava ser subjugado.

E as retinas das testemunhas daquela epopéica invasão capturaram cenas de coragem inenarrável, lembranças que forjarão na criança o caráter do homem que vive e não se deixa viver. E como intercalava passos magistrais por entre caixas abandonadas e galhos ressecados. Audacioso, sabia-se simultaneamente bailarino e maestro. Regia os impropérios desafiadores que jorravam de sua língua com o objeto que a sociedade convencionou denominar vareta. Mas os sábios, aqueles que se permitem conservar a faceta infantil como capitão honorário da nau olhar, sabiam ser a batuta em questão uma excalibur de autenticidade alardeada pelo próprio Arthur, o porteiro do turno da manhã que uma vez lhe contara uma lenda sobre um rei bretão adormecido em uma ilha de fadas.

Calma e silêncio. Os artifícios primordiais de um herói vitorioso. Brados cortando o céu, tremores de terra sob passadas pesadas e aceleradas de um par de all-star surrado. A alma e a lâmina do impiedoso sedento pela glória que catapultará seu nome para cantigas de chora-bananeira-chora e lendas de pátio de escola. E explodiu como uma matilha selvagem, nada se atreveria a se interpor em seu caminho. A poeira era levantada como uma imensa ola saudando o touro altivo e imbatível que era. Ou pelo menos foi, até ter sua trajetória vigorosamente interrompida pelo ser mais traiçoeiro, imprevisível e mortal. Venenoso, asqueroso, pesaroso, desastroso e ainda assim temeroso. Uma, sim, isso mesmo, uma menina! Daquelas bem embonecadas, exatamente onde deveria estar o antro inimigo que ele pretendia esmigalhar!

Parecia toda de cachos e porcelana viva, tomando seu chá de mentirinha sentada, e sua figura, bem como tudo que a adornava, destoava do jardim cujos joelhos das árvores estavam empapuçados de lama e terra batida. Tomava seu desjejum candidamente, e a elegância de sua brincadeira revelava com exatidão o quão sério e real é a capacidade de uma criança transmutar o mundo. Com a xícara a meio-caminho dos lábios, levantou o olho direito, apenas, e fuzilou o estatelado herói com um verde forte que em nada lembrava águas oceânicas no verão:

“O que você pensa que está fazendo?”
“Eu?! Veja bem, em tomadas de forte são tomados fortes, e não chás, e a senhora trate de evacuar esse séqüito inútil de pelúcia, ou de trocá-lo por comandos e thundercats capazes de realizar trabalhos de homem que é o que a senhora precisará para...
“Cale a boca. Você está imundo. Lave-se naquele riacho e tome seu lugar à mesa ao lado do Sr. Ternura Marrom. Creio que ele direcionará sua impulsividade bélica para uma boa educação e postura.”
“Não vou deixar minha patente rebaixada a um urso com olhos de botão que não agüentaria...”
“Agora. Vou separar sua refeição para servi-lo pessoalmente. Agora, sem um mas.”

Somente um demônio fundiria um sorriso tão estrategicamente encantador e um olhar que é a morada de uma frieza capaz de fazer gritar de pavor a mais renitente alma. O resultado dessa equação foi a obediência indiscutível do garboso soldado. Porém, assim que estivesse limpo e penteado, mostraria a quem cabia dar as cartas.

E retornou para a retomada de seu orgulho, mas seu fôlego foi estrangulado à meia lufada de escapar da garganta. Aquilo que seus olhos registravam, sua alma não decodificava. Na pequena cadeira de plástico se sentava placidamente o moleque ruivo da rua de cima, o rufião cujo quartel general pretendia tomar. Esparramava-se bem ao lado do senhor Ternura Marrom, que consentia com aquele despautério com uma calma surpreendente em seus olhos de botão. Naquele momento, aprendeu sobre decepção. Naquele momento, aprendeu sobre traição. Mas principalmente, percebeu que o coração não estava nas partes baixas, e que na verdade era aquela bomba em seu peito que de quando em quando explodia em direções diversas, como um corcel selvagem. Sabia que sua descoberta revolucionaria para todo sempre a ciência da anatomia humana, e que urgia sentar com seu pai e registrar cada detalhe para a posteridade. Mas não agora. O garoto ainda possuía muitos fortes inimigos para tomar, alguns castelos de sonhos medievais, com direito a dragões e avatares do second life, reflexo do imaginário infantil pós-moderno. Sim, ainda haveria muito tempo para outras descobertas anatômicas e fisiológicas inevitáveis. Mas este momento não é o presente, por enquanto tomado por sonhos vividos como reais e pela realidade alimentada pelo frescor da vida como uma eterna descoberta. E isso, meus caros, é uma das maiores belezas da nossa existência como homens.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Da gentil arte de engatinhar para fora das sombras

Apenas para cortar os péssimos e carregados fluidos da confissão logo aqui embaixo. Sabe como é, coisa de libriano com humor de montanha russa se recompondo paulatina e eficazmente.

sábado, 10 de novembro de 2007

Carpe dying

Chegou em casa lá pelas tantas e se sentiu Deus pela décima nona vez naquela madrugada. Porém, gingava como um autêntico exu, exalando fumaça de charuto barato e o odor da mais vagabunda cana, o incenso e mirra que dois dos reis magos dariam ao autêntico Macunaíma que ele era. Sim, apenas dois, pois o terceiro tinha absoluta certeza de que este rapaz não valia a sola de sapato que fosse, quanto mais qualquer grama de ouro. Mesmo assim, a excêntrica criatura adentrou a porta da sala e dançou um apaixonado tango com cada móvel que cruzou seu caminho.

As luzes de cada cômodo estavam todas queimadas, desde que arrebentada estava sua alma pela solidão. Não sei se vocês têm conhecimento, mas esta não é um sentimento, e sim um espectro trajando capa e capuz preto, além de portar uma foice de cabo longo, torto e enegrecido pelo sangue alheio. Ele não era mais uma criança, sabia disso tudo, aliás, sempre soubera tudo que precisava. É claro que isso torna seu caminho mais tortuoso, pois mesmo possuindo o conhecimento do necessário, o ignora solenemente, em nome dos sonhos que tanto tardam a se realizar. E essa foi sua derradeira imagem na hora neutra desta madrugada: um verdadeiro pé de valsa que não deu sossego a nenhum objeto de cama, mesa e banho até chegar ao seu caixão forrado com os lençóis de duas semanas atrás.

O dia seguinte foi mais uma nota preparatória do desfecho em tom menor que tanto se alongava. Escreveu três cartas para três diferentes e queridos amigos. Três pequenos fragmentos de um ser despedaçado, como uma tentativa de recompor aquilo que um dia já chamou de si próprio. Três pulsantes cortes de um coração errante e errado, espatifado na queda que até então tomara por ascensão. Cada uma de suas furtivas fraturas vivendo o seu de repente não mais que de repente e lamentando a ligação intransponível com seu poeta favorito.

Tudo estava escuro, tudo estava confuso. O respirar de cada dia passou a ser feito em uma densa neblina, na verdade um véu resultante da água e do sal que se condensavam em seus olhos. Tantos hábitos, tanta surpresa. Tanta espontaneidade, tanta urgência. Tanta ânsia. Elementos que se degladiavam na bagagem de ilusões que ele descobriu que carregara só, tão somente só. E depois dessa confusão toda que se armou, ele pode vir a ser uma nota obituária, uma manchete heróica. Um presidente da república, um gerente da boca. Um pastor evangélico, um apontador de bicho. Um suicida, um santo. Isso fica a critério de cada um de vocês, pois ele mesmo acabou de descobrir que não controla para onde será direcionado o turbilhão de emoções do próximo. Assim como ninguém fará com o dele. Muito menos eu.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Duas almas em dois momentos pessoais

Observou-a à distância, pela vitrine da loja. É claro que chovia, seria uma incoerência se São Pedro não despejasse sobre a calçada de pedras portuguesas sua insatisfação pela existência daquela distância entre estes dois, fruto de teimosia travestida de maturidade. Observou-a mais um pouco, como quem corta os pulsos lentamente, e pensou que a maior dor de um homem é amar a quem não se pode ter. Permaneceu do lado de fora, estático, como uma imagem secundária, um espectro tendendo ao desaparecimento. Logo ele, que já tinha desempenhado um papel tão central na vida dela, agora não passava de uma presença etérea. Sombra, distância e esquecimento. Paradas de um cortejo fúnebre rumo à solidão que ele nunca mais imaginara habitar novamente. Pelo menos não causada por ela. E seu coração cansado já não tinha mais forças para bombear sangue para o resto de um corpo condenado à inércia de uma tarde chuvosa de novembro.

Observou-o à distância, de rabo de olho, assim que ele se postou na calçada próxima à vitrine. Não conteve o riso, pois só ele mesmo acharia que não seria notado, assim, uma estátua cujo céu se encarregava de colocar lágrimas de chuva em sua face. Ela sabia que ele a devia estar achando linda, mesmo com os cabelos negros e lisos alinhados ao rosto molhado pela chuva, e com aquela capa velha que se revelara totalmente inútil na prevenção a resfriados futuros. Só ele mesmo para pensar uma sandice dessas. Pelo visto, ainda teria muito a lhe ensinar sobre seu jeito todo especial, que ele mesmo vive a repetir que tanto lhe encanta. Ela gostaria de lhe dizer qual seria o fim dessa história, mas não tinha todas as respostas, nem todas as certezas, apenas todos os seus impulsos. E estes sempre remetiam a ele no final, seja via pensamento, seja via toques de lábio e pele. E esse homem tão bobo e tão menino não conseguia compreender essa diferente maneira de gostar, e por isso estava se arriscando a uma tuberculose tão à toa. Apenas para formar em sua mente uma cena de despedida digna de um Campanella, só tida como certa pelo seu ego tão dramático. Deus, que alma teatral! Não saberemos se ele gostará do presente que ela acabou de pedir para embrulhar, nem se ela se tornará menos confusa, e ele menos teatral. Mas, certamente, será adorável acompanhar de longe cada passo dessas fascinantes almas, torcendo para que desistam dessa tolice de magoar um ao outro.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Sempre chove no dia 2

Preparem o guarda-chuva, meninos e meninas. Em tempos bíblicos, construíam-se barcas para a fauna selvagem. Em tempos cariocas, Noé espreita postes vendendo guarda-chuvas de quinta por duas de cinco da moeda corrente, enquanto enrabicha olhares de preocupação para a fauna selvagem que faz o rapa. Preparem o guarda-chuva, senhoras e senhores, pois nestes tempos caiu como um raio um bobo sem corte, sujando de essência libriana o asfalto de Botafogo em pleno dia de anjo da guarda, vejam só. Em feriado de guardiões querubins e serafins, nascem os deslocados de alma. Assim, sem certificado de garantia e discernimento. Assim, só com uma mania muito grande de sentir o tempo inteiro, sobre e apesar de tudo.

Preparem o guarda-chuva, rufiões e meretrizes, a meia-noite será de festa com sorrisos de tragédia, e suas ânsias farão uma procissão com longos de gala à base das estrelas que cairão na terra fugindo do pé d’água furioso que está para descer.

Prepare o guarda-chuva, meu amor de olhos verdes, pois quero ver-te em sorrisos que me apaixonam e esquecer nos teus braços que é dia de anjo da guarda, onde o sonhado mais estranho pode espatifar-se em asfaltos de descida em qualquer Humaitá-Botafogo, e sem nem ter idade para beber no Plebeu.

Preparem o guarda-chuva do senhor de olhos azuis e da senhora que declama incessantes receitas em verso, eles mereciam coisa melhor, mas há anos tem que se contentar com aquilo que choveu para eles.

Preparem o guarda-chuva, pois as estrelas convivas mergulham em rajadas d’água, como festa de criança em que a mãe lua, gorda e elegantemente trajada, deixa-se para trás rogando por juízo e pelo garçon cujos benditos docinhos ele já não traz.

Preparem, coloquem nas bolsas e mochilas, importem, mandem fabricar, mas olhem pelos seus guarda-chuvas, pois o tempo começou a virar, e a meia-noite promete. Promessa de chuva lavando a solidão.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Dois de outubro

Três horas da manhã. Acordo como se nunca tivesse dormido. Em toda minha vida. Meus olhos rodeados pela escuridão, como soldados abrigados em uma trincheira fria. O processo por eles vivenciado de se acostumar à realidade ao seu redor é lento, como um longo conselho de um advogado para seu cliente assassino e reincidente. Mas eles se familiarizam com a escuridão, como um recém-nascido tateando útero a fora. Não preciso apelar ao abajur para ver minha insônia sentada à minha cadeira de trabalho com um sorriso tenro. Minha mais antiga companheira. Tomara que ela não tenha entrado no meu orkut. Dias estranhos, sempre antecedendo a comemoração do meu nascimento. Maldita praxe, um dia ainda trabalho isso com meu analista, assim que arranjar um. Minha ironia ao acordar é apenas o instinto de defesa de um animal desorientado, assustado. Transmutar-se em melancolia é sua dança natural, harmonizada em tom menor e com passos imprecisos, hesitantes como órfãos aprendendo a andar sem ter a quem guiá-los. Tudo que preciso é de um copo d’água, pois o restante está distante demais para a solidão de um quarto frio. Como odeio aniversários.

Entre o quarto e a cozinha, a sala a qual devo atravessar. Os mesmo móveis velhos, guardiões das histórias, olhares e palavras certas nunca encaixadas nas despedidas para as quais foram geridas. Tudo que eu tanto gostaria de esquecer. Sabores amargos materializados em madeira, alumínio e vidro. No velho par de sofás sentam-se confortavelmente meus demônios e fantasmas interiores, portadores de olhares de julgamento e desviar de rostos movidos a desdém. Corpos dando forma aos anseios que eu releguei a terceiros e quartos planos do meu inconsciente. Tantos anos de solidão não lhes fizeram nada bem. Um deles me fascina mais. O menino que tem vergonha do homem que se tornará um dia. Somente os segundos antes de eu fechar os olhos pela derradeira vez me possibilitarão adjetivar a sensação que arrepia minha espinha quando nossas retinas se desafiam. Dia do anjo da guarda o caralho. Melancolia, passos pesados e noites frias, minhas únicas certezas de presente por mais um ano.

Sede saciada, o menino que tem vergonha do homem que se tornará um dia me carrega pelas mãos, suas roupas mudam a cada porta retrato deixado para trás. A camisa azul do uniforme do primeiro colégio, a blusa amarela e o short azul da seleção de 86. Os sapatos do pai, enormes como o mundo que ele um dia sonharia conquistar. Pesados como a tristeza que lhe abate em agosto e o liberta em outubro. A cada troca de farda, ou fardo, seus olhos de menino se tornam um pouco mais frios. Ele só precisa dormir mais um pouco. Como a alma que ama em silêncio e sem saber ser correspondida necessita apenas da frase que ela não sabe se ouvirá de volta algum dia (Deus, como isso angustia). Ele só tem que dormir mais um pouco. Até o fim do mundo como ele conhece, para que finalmente se inicie o mundo como ele deseja. Talvez ele consiga dormir mais um pouco. Sorrindo com a resplandecência de um anjo, em cada cova irradiando a liberdade de um pecador sem culpas. Não tenho vergonha dele, pois sei que conseguirá dormir mais um pouco, antes até de ouvir meu boa noite. Desculpem a amolação, mas eu realmente odeio aniversários.

sábado, 8 de setembro de 2007

Em homenagem a quem teve que passar pela Praia de Botafogo no dia 7 de setembro de 2007

Deus é amor mas não é guarda de trânsito!!!!

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Crônicas Ferdinandas

Bela e triste história de meu nobilíssimo colaborador Ferdinando. Não desistam, meus e outros caros, a vida nos surpreende de forma bela em qualquer esquina em que pisamos (como vc me mostrou, minha linda ;) )

Você chegou inesperadamente. Sua beleza me conquistou desde o primeiro dia no escritório. Corpo escultural, sorriso encantador, olhar penetrante. Claro que não me tornei um admirador solitário. Você era desejada por todos os colegas de trabalho. Não me importava. Eu tinha pressa em ir trabalhar, só para passar o dia perto de você. Trabalhar ao seu lado... Eu me achava o homem mais feliz do mundo.
Depois você ficou sabendo do meu estado emocional naquela época. Tinha sido abandonado pela minha ex-noiva, a única mulher que até então eu realmente amara. Jurei que não me apaixonaria por mais ninguém, até te conhecer. Descobri de novo a paixão, que depois de um tempo tive a certeza de ser amor. Estava amando novamente. Minha tristeza virou alegria, o que parecia impossível – amar – acontecia de novo. Eu precisava chegar em você, investir neste amor. Busquei sua amizade, você aceitou. Almoços, lanches, conversas, cochichos nas reuniões. Junto de você, eu me sentia no céu, iluminado pela minha deusa.
Dizem que todo apaixonado deve ter em mente que é um erro pretender a amizade da mulher quando o que se quer não é ser amigo dela. Foi aí que errei. A amizade cresceu tanto que o momento de assumir o meu amor era eternamente adiado. Esperei você me falar do seu namorado de fora da empresa para eu pensar se valia a pena me declarar para você. É claro que valia, mas me corroí de ciúmes por causa disso. Imaginava você junto dele, indo ao cinema, passeando no shopping, o beijando na boca, o abraçando, transando com ele. Tinha medo de você me comparar com ele. Isso diminuiu minha audácia de tentar transformar a amizade em amor.
Um dia, porém, tive a audácia. Eu me declarei, disse para você tudo que estava entalado há meses. Pouco me importei se você estava comprometida ou não. A recompensa pela minha coragem superou todos os meus medos. Nós ficamos. Você me beijou. Nem pensei em sexo, não precisava. Eu queria o seu amor, sua boca colada à minha, sua mão me acariciando, você sorrindo a cada vez que eu dizia: “te amo”. Voltei para casa cantando o início de uma nova relação, que nunca começou. No dia seguinte, sua indiferença era aterradora. Fiquei indignado. Chamei você para conversar. Você disse que seu namoro continuava de pé, que “ontem foi um momento de fraqueza”. “Desculpe, mas se você é meu amigo, deve entender as minhas razões”, foi sua sentença final. Pronto, eu era seu amigo. Fui ao céu, desci direto para o inferno.
Sou uma pessoa civilizada, você sabe disso. Mantive nossa amizade, não te destratei por causa da minha frustração. Mas não deixei de amá-la, de pensar em você todas as noites, de lembrar diariamente do gosto do nosso beijo, de morrer de vontade de voltar no tempo. Aí, você começou a flertar com ele. Justo ele, o meu melhor amigo. Vocês davam sinais de que não estavam apenas na paquera. Percebia pelas suas conversas que vocês se falavam sempre pelo telefone. Eu ligava para sua casa e não te encontrava lá, ligava para seu celular e você não atendia. Vocês se entreolhavam sorrindo no escritório, iam juntos para o corredor, almoçavam juntos, saíam em horários diferentes para despistar... Tive, na dúvida, a certeza de que vocês estavam saindo.
O dia em que o pouco de incerteza acabou foi na festa de fim de ano da empresa. Você chegou linda, junto dele. Sua felicidade estampada no rosto, a onipresença dele ao seu lado, tudo em você parecia uma provocação para mim. Tentei minha última cartada. Chamei você para dançar. Você aceitou. Eu te disse que não parava de pensar em você, que continuava a te amar. Você respondeu que estava em outra. Perguntei com quem. Você não respondeu. Ele te puxou para dançar. Vocês nem olharam para minha cara. Fui até a varanda para observá-los. Vocês se beijaram apaixonadamente. Meus olhos, fixos em vocês, estavam marejados, raivosos, frustrados, ciumentos. Eu me escondi atrás de uma árvore na calçada. Vi vocês saírem juntos. Para onde? Eu sabia para onde. Fazer o que? Eu sabia o que. Meu mundo caiu. A mulher que amo. Meu melhor amigo. Peguei um táxi e fui para casa chorar em cima do confidente dos amantes não-correspondidos: a cama de solteiro.
Caí em depressão. Pedi uma semana de licença do trabalho. Não conseguia comer, beber, tomar banho. Depois da licença, tive que voltar. Claro, vocês não namoravam dentro do escritório. Mas era só entrar no elevador que começavam. Beijos, declarações mútuas, olhares que brilhavam ao se cruzarem, tudo na minha cara. Meu rosto escondia minha alma. Sorria para não chorar e passar vergonha por causa do meu ciúme. Sorria com os olhos encharcados de lágrimas de dor.
Até o dia em que vocês convidaram todo mundo no escritório para o noivado. Era demais. Convidaram até a mim. Não, não conseguiria. Demito-me ou cometo suicídio, pensei. Por muito pouco não dei fim à minha própria vida. Só não o fiz porque já não achava que você merecia tanto. Mas eu não iria agüentar nem mais um minuto na sua presença, noiva, apaixonada (como disse) e prestes a se casar com outro homem. Eu me demiti, jurei nunca mais vê-la, nem a ele. Chorei muito, de novo, por causa de você, cadáver do meu coração, que achei que nunca conseguiria enterrar.
Passou um tempo até eu conseguir outro emprego. Você se casou com ele, disseram que a cerimônia foi linda, você estava felicíssima, vocês se beijaram tão apaixonadamente na frente do padre que ele até ficou vermelho de vergonha. Não tive como não imaginar. A lua de mel de vocês. Outro homem possuindo o corpo que tanto desejei ser meu, para sempre. Para me vingar – vingança tola, como são todas as vinganças –, mergulhei no sexo. Paguei todas as prostitutas que pude, consumi todas elas. Também paquerei, fiquei, até levei algumas mulheres para a cama. Fiz a minha purgação. Uma delas gostou de mim, começamos a namorar.
O tempo passou. Trabalhei, noivei. Hoje, abro minha caixa de entrada e tem um e-mail seu. Pensei no que você ia querer de mim. O livro que você me emprestou e nunca devolvi? Convidar para o seu aniversário de casamento? Anunciar o nascimento de seu primeiro filho? Você já tinha me feito sofrer demais com dúvidas. Abri para ver o que era. Eram lamentações. Ele foi carinhoso só no começo. Depois, se revelou um machista, grosso, preguiçoso, mal-educado. Suportou isso enquanto pôde, até que ele começou a bater em você. Diz que agüentou alguns meses. Em nome do amor, decidiu esperar que ele mudasse. Não mudou. Você voltou para a casa dos pais, pediu o divórcio, o caso está na Justiça. Diz que agora está arrependida do que fez comigo. Que não sabe como desperdiçou tanto amor. Que se pudesse voltar no tempo jamais teria me dito “não”. Que não mandava em seu coração, que na época só pensava nele, só queria saber dele, “alto, bonito, inteligente, divertido, forte...” Você quer se encontrar comigo. Pede reconciliação.
Você não tem noção do que fez comigo. Melhor seria se você nunca tivesse me beijado. Você não tem culpa de eu ter me apaixonado por você nem era obrigada a corresponder, mas você me provocou. Você me deu falsa esperança. Você deixou que eu mergulhasse no oceano da ilusão. Você transformou meu melhor amigo em meu maior rival. Por sua causa, mudei de serviço. Agora, depois de tanto esforço para reconstruir minha vida, quando achava que você já era página virada, você aparece. E a coerência com suas escolhas? Você irá me responder: no coração não existe lógica. Eu sei. Se eu fosse lógico, não teria me apaixonado nunca por você. Posso até estar errado, mas é o que diz meu coração. E no meu coração eu também não mando.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Tellin' a borin' story in a boring day...

Ele odiava sair de casa atrasado. Quase tanto quanto acordar cedo. Foi violentamente desmamado de um belo sonho pela necessidade de labutar. E eis que surge uma bola de neve de desgraças irrelevantes sucedendo-se em um roteiro demente. É sempre assim. Pela pressa, você não se enxuga direito ao sair do banho, e o prenúncio de um dia patético lhe presenteia com um par de protetores de ouvido à base de espuma de sabonete. Você corre com um par de meias trocadas, uma gravata esteticamente desprezível, segurada por um nó hermeticamente incorrigível. O café fervendo salta de forma suicida contra sua camisa amarrotada, formando um manchado manifesto sobre sua competência em fracassar como bípede pensante. Ao beijar sua esposa antes de atravessar a porta rachada, ele a nota sorrindo ansiosa diante sua saída, antes de rumar ao telefone no qual ela sussurrará malícias. Ser corno não era a pior de suas trapalhadas.

E lá se vai nosso anti-herói mor, dando seguimento ao seu dia chuvoso, em um coletivo sem cobrador. É claro que ele chocou violentamente a cabeça calva contra a barra de ferro enquanto o motorista equilibrava-se entre contar o troco da linda mulher que jamais lhe daria atenção e fazer o veículo andar. É claro que ao desembarcar foi abraçado por uma lamacenta poça d’água provocada por outro integrante da frota do transporte público urbano carioca. Sem cobrador. É claro, é claro.

Mas hoje seria diferente. Não só o hoje, ou o ontem, mas todos os segundos pelas infinitas sucessões de segundos até a temporalidade pedir aposentadoria. Por um motivo surpreendente. Ele descobrira onde se esconde Deus. Após todos esses milênios, é óbvio que o único ser a alcançar o Criador seria justamente aquele que há muito parou de se preocupar com Ele que sempre lhe delegou um rotineiro papel de coadjuvante número 1.984, gordinho e calvo (apesar de ter emagrecido 300 gramas no verão passado). Nada disso possuía relevância agora, ele descobriu onde Ele se metera. E neste exato momento, ele Lhe daria uma lição. Mesmo amarrotado, manchado de um café forte e amargo, com a orelha aureolada por sabão de banho, ele Lhe mostraria que as coisas não podiam ser feitas daquela maneira. Toda Sua pirotecnia emo não serviria para nada. Jesse Custer que se conformasse em ter a fila furada em seu ato de satisfações tomadas. O toque irônico da confusão toda é que ele seria magistralmente corneado enquanto cometia seguidas blasfêmias físicas capazes de deixar o caído rubro de vergonha.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Camisetas personalizadas de tarja preta

Tudo escuro e silencioso, as condições perfeitas para uma grande fuga. Silêncio, vocês atrás de mim! Não vamos estragar tudo agora, principalmente porque eu quem tive o esforço de arquitetar a coisa toda de forma perfeita. Gabriel, seu rufião dançarino, pare com a maldita Macarena! Se Freud estivesse vivo ele criaria a Pulsão Macarena em sua homenagem, seu merdinha. Em locais comuns, as paredes possuem ouvidos. Em um hospício, as paredes possuem ouvidos, câmeras de segurança e leões de chácara que se fingem de enfermeiros, então tratem de fazer silêncio para que tudo continue escuro e silencioso! Droga, Bernardete, jogar o urinol cheio na parede de vidro não foi uma atitude legal da tua parte. Eu te disse que vinganças e represálias deveriam ficar para depois que escaparmos. Agora, voltemos antes que os enfermeiros gorilões cheguem. Todo mundo, em fila indiana, por favor. Indiana, já falei! É mais fácil coordenar babuínos com diarréia crônica no uso de uma única privada do que loucos em fuga de um hospício...

Eu mereço estar aqui. Só os presos são inocentes que não merecem estar na prisão, os loucos sempre merecem estar onde estão. Eles merecem estar para não poderem estar para merecerem sair e estar. Entendeu? Meu psiquiatra também não. Vai ver por isso ainda estou aqui, sem entrar no mérito do merecimento. Ou não. Mas não importa. Tudo começou com um plano perfeito. Uma coisa muito simples: eu ia dominar o mundo. Para isso, eu precisava de uma estratégia. Eu ia enlouquecer as pessoas para depois domina-las. Como? Essa é a parte brilhante: camisetas personalizadas! CA-MI-SE-TAS PER-SO-NA-LI-ZA-DAS! Eu, Rodrigo Rodrigues Rojas, sou um gênio! Bastava entrar em cada e-mail, fotolog, blog e alma de todas as pessoas, oferecendo minhas camisetas personalizadas diariamente até fazê-las, as pessoas, e as camisetas também!, babar e espumar de insanidade. Se elas se interessassem, melhor ainda, vendia qualquer Hering manchada e ainda ganhava unzinho. O Coringa e o dr. Evil que se fodam, sou mais eu!

O plano funcionava harmonicamente, um lago dos cisnes maquiavélico e vitorioso. O problema foi quando eu comecei a mandar as ofertas de camisetas para mim mesmo. Nesse exato momento, percebi que talvez eu não fosse muito normal. Especial, como diria mamãe. Fui procurar ajuda profissional, então, e me jogaram nesta joça de paredes brancas. Eu podia falar um palavrão. Vou falar. Não, não vou não. Vou enviar camisetas personalizadas, pois é bem pior. Mas o local não é de todo ruim, vejam bem, conheci pessoas muito interessantes. O Gabriel, já lhes falei do Gabriel? Um figura, ele dança a Macarena compulsiva e cotidianamente, é impressionante. Porém, o mais importante é que o recinto provia minha sede de poder com o maravilhoso néctar da pós-modernidade comunicacional, a internet. Jamais abandonei meu mantra das camisas. Minha atual vítima é um blogueiro desses aí. Ele está prestes a vir fazer parte do séquito particular que formei por aqui, eu pressinto.

Consegui alimentar a boca faminta por olhares e insanidades desse estabelecimento com louvor. Minha tática das camisetas revelou-se estrondosamente frutífera no objetivo de me agregar seguidores. Bernardete foi o exemplo melhor sucedido do que seria a pupila perfeita. Provavelmente ela me sucederia no trono da nova ordem Rodrigo-rodrigues-rojiana mundial que se anunciava. Mas seu ato impensado e arremessador de urinóis necessitava de represália. Uma pena. Vou ter que deixá-la sem bananada no jantar de hoje.

Mas nada disso importa, tudo está escuro e silencioso novamente. O ontem foi um outro dia que não o hoje. E o hoje é o dia onde tudo ocorrerá sem deslizes. Já estamos quase no fim do corredor de número não importa, e agora é o momento mais complicado, pois precisamos passar pelos enfermeiros vigias do turno da noite. É agora. Isso, Gabriel, distraia-os com a Macarena enquanto rumo à minha liberdade = dominação do mundo = tirania para o resto das pessoas! Sinto a sede de poder sendo saciada gradativamente pela porta última tornando-se cada vez maior em minhas retinas, está tão perto, está tão perto... dor.

Muita dor. Geralmente este é o resultado do choque de um cacetete contra uma cabeça. E se a cabeça for a minha, então a situação torna-se realmente dramática. É a quarta vez só essa semana que a fuga fracassa. Pelo visto, Gabriel não tem treinado a Macarena o suficiente, preciso alertá-lo para tal detalhe. Enquanto sou arrastado para meus aposentos, sou informado que, assim como Bernardete, ficarei sem minha bananada no jantar. Droga. Até os gênios precisam de planos melhores de vez em quando. Mas não há motivo para pânico. O cara do blog está para chegar e, então, tudo será diferente. Eu pressinto.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Crônicas Ferdinandas

Belo texto do meu nobre favorito, Dom Ferdinando. Continue meu colaborador assíduo, vossa ferdineza!
Abraço!

Sala vazia. A luz está baixa. Algumas revistas espalhadas na mesinha de centro. Dezenas de DVD’s jogados no chão de madeira: filmes, shows, documentários. Televisão e aparelho de som, desligados. Uma taça, vazia, está sobre a mesinha; seu fundo avermelhado revela que alguém acabou de tomar vinho tinto nela. O tempo está frio, a janela fechada, mas nada que impeça a invasão do barulho de carros que sobem e descem a rua em frente ao prédio.
Ouvem-se passos. Primeiro, soam abafados atrás da porta de um dos quartos. Quando a porta se abre, surge ela, a dona dos passos, dona do apartamento. Pele branca, corpo definido, harmônico. Perfeita para os seus vinte e cinco anos. Os longos cabelos negros oscilam entre o liso e o ondulado, ainda mais quando estão despenteados. Ela usa um vestido de alcinha, da mesma cor dos seus cabelos e que, de pé, não cobre mais que a metade da coxa. Descalça, os passos ecoam ainda mais forte no seu chão, teto alheio.
Sentada no sofá, acende a luz principal da sala e bota no colo o gato que a seguia desde o quarto. Ela o acaricia, diz palavras de ternura incompreensíveis, a não ser para o animal. Aperta-o contra si, beija-o e o põe novamente no chão. Ela se debruça até a mesinha de centro, puxa uma revista qualquer e começa a folheá-la. Logo depois, pega o controle remoto jogado sobre o sofá, aponta-o para o som e seleciona: CD; Play; Faixa 3. O som do piano invade o apartamento inteiro. Apenas as mãos permanecem com a revista. O pensamento canta silenciosamente.
“Quand il me prendre dans ses bras / Il me parle tout bas / Je vois la vie en rose”
Ela esquece a revista e se deita no sofá. A música penetra sua alma e, assim como seu amado, em breve penetrará também no seu corpo. Lentamente ergue uma das pernas. Passa as mãos uma, duas, três vezes. Fecha os olhos para sentir as mãos dele ao invés das suas. Progressivamente a canção a fará ter as mesmas sensações que a noite anterior com seu homem lhe proporcionara.
“Il me dit des mots d’amour / Des mots des tout les jours / Et ça me fait quelque chose”
Sempre deitada, suas mãos (ou seria as mãos dele?) continuam a acariciar suas pernas. Passeia uma das mãos pelas coxas, a outra deixa cair por sobre o vestido. O toque, a música, os olhos fechados, tudo a faz se esquecer do resto. Um momento que não é só dela, mas de alguém que dá vida ao seu corpo e a sua alma.
“Il est entré dans mon coeur / Une part de bonheur”
O hino ao amor entra em sua carne. As duas mãos a acariciam por baixo do vestido. Envolvem os seios, passeiam em volta dos mamilos, descem pela barriga, chegam até a virilha... Vão para as nádegas... Tocam em tudo que está ao seu alcance. Ao contrário da canção eternizada por Piaf, não era apenas uma parte de felicidade que a possuía: era o êxtase, a realização do desejo, o gozo, o prazer, enfim, que a inundava. Revelavam-nos os gemidos, sorrisos, pulos e tremidas.
“C’est lui pour moi / Moi pour lui dans la vie / Il me l’a dit, l’a juré / Pour la vie”
Via-o claramente em seus olhos fechados, sentia o calor do corpo dele sobre o seu. O tórax dele pressionando seus seios, a língua que lambe e sussurra palavras de tesão e de amor na sua orelha, as pernas de ambos que se movem em sincronia e o juramento feito por ele – não dito, mas cumprido – de possuí-la, amá-la e querê-la como se toda vez que o fizesse fosse a primeira, a última e a mais importante.
“Et dès que je m’aperçois / Alors je sens en moi / Mon coeur qui bat”
Não ouve mais a música que termina. Todos os sentidos se deslocam para seu corpo. O clímax ultrapassa a divinal arte dos enamorados. Se Piaf impôs o luto a si mesma após perder o amado, ela faria o inverso, não só porque seu homem continuava vivo, mas porque o sentia junto de si, na carne e no coração. Retirou o vestido, a calcinha, levantou as pernas, juntou-as, pôs as mãos entre elas, começou a pular rápida e repetidamente, gemeu, gritou... Sem luto, sem tragédia, sem “La vie en rose” ao fundo. Parou de pensar, de lembrar, até de viver por alguns segundos. Não abriu os olhos. Apenas sorria, toda para ele.
Adormeceu. Acordou sob os lençóis, vestida dos pés à cabeça. Olhou pela janela. Chovia. Viu o relógio, a parede, a cabeceira da cama. Tudo como antes, nada havia de novo. Dura realidade à sua volta, em que a taça não guarda nenhum sinal da bebida dos deuses. Sonhar é viver, pensou ela. Infelizmente, o inverso não é verdadeiro. Viver é estar condenado a suportar o mais duro pesadelo para a alma humana: não ter a quem se deseja.

domingo, 29 de julho de 2007

Momentos em cena

Breve, porém importante, prólogo:

Esta história não contem plágios, apenas homenagens. A honraria, claro que para mim, é contar com três belas cenas de três maravilhosos filmes. Para quem desejar, fica o desafio: tente adivinha-los. Na verdade, estas palavras contêm uma quarta homenagem: para minha grande amiga Ana Paula, sobre quem tenho certeza que continuará seguindo sem desistir jamais. Boa leitura.

Meu Deus, já são cinco horas. Os despachos acumulam-se na minha mesa jogando em meu rosto o atraso inevitável. Impossível não olhar para minha cela de labuta sem imaginar um fosso de cobras amaldiçoadas pelo veneno de mais um dia de trabalho burocrático. Meu rosto impassível disfarçaria para qualquer observador a luta épica que se travava em meu ser entre minha essência workaholic e a vontade de encontrar-me com meu destino. Como deveria estar meu olhar agora? Se é que ainda tenho um olhar, pois às vezes nem sei se continuo com minha alma. Este último pensamento encheu meu terno de coragem, que tomado de vontade própria jogou-se contra o medievo fosso sem se importar com a descarga de adrenalina que meu coração teve que subitamente suportar. Ficaram para trás as cobras, os relatórios e os sonhos frustrados pelos quais nunca lutei, formando um melancólico teatro de fantasmas sombrios, que me direcionaram um último olhar de inveja por ter conseguido escapar. Ainda volto para liberta-los.

De uma só passada aterrizei no elevador que me conduziria ao térreo do Rio Branco 165. Do topo ao térreo, do meu esterelizado céu imaginário às calçadas sujas de pedras portuguesas deslocadas. Rumo ao meu destino. Apenas a uma espera e rostos cotidianos adentrando a cada andar. Mar de olhares vividos diversamente. Como a moça de face cansada de atuar em um dos diversos apartamentos do edifício subdivididos em placebos para a solidão alheia. Seus olhos enviavam mensagens implorando por socorro urgente. Meus olhos recebiam esses sinais com a compreensão de quem já os produziu. Pois essa era a principal rotina deles na primeira vez em que cruzei com meu destino, quando estávamos naquele congresso sobre números, potencialização de lucros e formas não-ditas e diversas de pensar sobre suicídio. Na cafeteria, quando ela percorreu meus braços com seus dedos, nunca nada me pareceu tão correto. A maneira como ela fechava os olhos e inclinava levemente seu rosto, enquanto eu percorria calmamente seus lábios, nunca nada me pareceu tão correto. Enquanto Nina Simone nos hipnotizava melodiosamente, nos trazendo em sua voz almas salvas de noites solitárias no momento certo, você dançando de olhos fechados me alertando sobre a possibilidade d'eu não conseguir voltar para a minha mesmice lentamente letal. A coragem ter sugerido ao pé de meu ouvido concordar com seu alerta como minha promessa de eterna entrega a você, nunca nada me pareceu tão correto.

Lembranças presas na gaiola de metal que descia de forma lenta, hesitante, ouso dizer. O mar se revoltava de mais e mais correntezas de destinos incertos. Um par de olhos sábios o suficiente para pousar no mundo com a sensação de maravilhamento de como quem vive pela primeira vez. Por baixo de aros pesados de plástico escuro, o conhecimento de que para se manter a chama da primeira vez, basta vivê-la sempre de forma diferente, ainda que com a mesma pessoa. Repetir não é viver, e sim o nobre ofício de papagaios e pessoas pequenas. Ou seja, tudo a que se resumia minha rotina aspirante à vida. Ou seja, tudo que, para minha bênção, foi dragado pelo teu corpo em L ao meu lado, com teus longos cabelos negros emoldurando todas as razões para eu jamais deixar de ser digno de seu olhar de entrega. O mesmo sol que te levou pela manhã me mostrou, enquanto atordoado eu procurava por possíveis vestígios teus, o pedaço de papel amassado com um telefone de hotel escrito com batom.

“O que você quer pedir?”
“Pergunta metafísica ou pragmática mesmo?”
“Como?”
“Nada. Uma cerveja escura. Mais para adocicada.”
“Uma garrafa de Periquita e a melhor marca de brown ale que você tiver, por favor.”
“Meu Deus. Como você pode ser tão obtuso?”
“Tudo bem... garçom, você poderia trocar a Brown ale por uma skolzinha mesmo?”
“Nossa, eu poderia gargalhar agora! Só não o faço porque é a minha vida e você continua parte dela. Estou cansada de investir em algo natimorto, nunca consegui entender se você realmente tem capacidade para se importar ou não. Distância não se mede só pelo espaço físico, mas pela intensidade do olhar. E cada vez que tento ver se há qualquer resquício de vida aí dentro, eu que acabo morrendo. Lentamente. É muito chato ouvir sua própria marcha fúnebre. Desde nossa primeira noite no hotel até todas as outras. É por isso que estou indo embora.”
“Mas... talvez eu seja somente um morto aprendendo a viver pela primeira vez com você e...”
“Mais alguma coisa, senhor?”
“Como? Onde está...”
“A tua companhia, senhor? Creio que ela está entrando naquele táxi agora.”
“parem aquele táxi...”
“Se me permite, caso o senhor corra em direção ao veículo bradando ao invés de sibilar pateticamente, talvez surta o efeito que acho que o senhor pretende”
“PAREM A MERDA DO TÁXI!”
“Como, amigo, é comigo? Você está bem, correndo como um louco, esse olhar desesperado como quem estagnou eternamente no último suspiro antes de morrer? Senhora, você tem certeza que quer baixar a janela para falar com este louco?”
“O que você quer?”
“Eu... não vou conseguir dormir esta noite”
“Eu também não”

Não consigo situar em época alguma quando se deu nosso último diálogo, apesar de me lembrar da respiração exata onde cada sílaba foi libertada. É como se eu o tivesse arrancado do tempo e o emoldurado dentro da minha alma, eu sempre soube que você iria marcá-la de alguma maneira, eternamente. Agora, só preciso arranjar um jeito de fazer parar de doer e soprar vida na lembrança de você, para que possamos repintar tudo com as cores fortes da tua personalidade que se impõem pelo seu olhar. Meus Deus, não perdi a mania de falar contigo como se estivesses ao meu lado. Depois de todo esse tempo, minha alma tentou escapar pela minha garganta quando te vi olhando sarcasticamente as pinturas de celebridades feitas pelos artistas de rua da Rio Branco. Como se ela se jogasse em direção à tua com a certeza da necessidadede rumar ao seu destino. Observei-te semanas, tentando criar o momento perfeito para retomar você. O fato d'eu finalmente ter caído em mim que momentos perfeitos são os espontâneos mostra que finalmente conseguiremos viver de forma plena o que merecemos. Da janela do táxi, te busco pelo trajeto que você fez ao longo de toda essa semana. De repente, uma silhueta de costas. A tua. É hora. Salto para você ignorando banalidades como trocados e transeuntes, não voltarei a parar até te alcançar. Naquela hora, as janelas que fitavam de cima a correnteza humana daquela avenida movimentada viram tua face baixa, encostada em meu ombro, bailando candidamente ao sabor da gravidade, e meus ouvidos sussurando palavras que sempre só pertencerão a nós. Naquele dia, todos aqueles prédios tão altos viram dois destinos serem selados. Para sempre.

terça-feira, 17 de julho de 2007

Ligeiro desabafo

Senhor. De um lado, Celso Roth e o tal do 3-6-1. De outro, Dunga, 4 cabeças-de-bagre, e a imprensa incensando o futebol que só ela e os seguidores de Lazaroni viram. Obina e Abedi substituíram Zico e Roberto, Romário e Bebeto e, vá lá, Edmundo e Sávio. São tempos estranhos, e o Maracanã cada dia mais me surge como um templo altero, distante. Eu não quero viver em um mundo de meninos lutando para comprar a camisa 5 no lugar da 10. Se lágrimas descessem do meu rosto agora, elas se organizariam com apenas um atacante e nenhum meia capaz de dar um passe de mais de 5 metros. Eu não quero viver em um mundo onde meninos comemoram o desarme no lugar do balãozinho. Se lágrimas descessem do meu rosto agora, elas cometeriam cerca de 30 faltas por tempo, às ordens de um "professor". Eu também sou professor, mas não mando meus alunos colarem. Eu não quero viver em um mundo onde meninos não acreditam mais em amor à primeira vista e futebol espetáculo. Aliás, grafemos como futebol-espetáculo. Torçamos para que o hífen preserve o que ex-cabeças de área medíocres querem separar.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Lewis Hamilton

Texto de autoria do meu grande amigo, profundo conhecedor dos mistérios automobilísticos, e arqueduque de Magalhães Bastos: Fernando Gil, ou, para os que merecem, Dom Ferdinando. Meu nobre, este espaço é teu sempre que manifestar vontade!

Em todos os sites especializados, colunas nos jornais, programas de televisão, boletins de rádio e conversas entre fãs de automobilismo, o deslumbramento é geral: “Lewis Hamilton é um gênio” é a frase sempre ouvida, mesmo da boca dos mais céticos. Não é para menos: nas sete primeiras corridas de Fórmula 1 na vida, sete pódios consecutivos, duas vitórias, duas poles e a liderança do campeonato. Seu companheiro de equipe: o atual bicampeão Fernando Alonso, que ganhou dois títulos em cima de Michael Schumacher. A equipe: McLaren, que antes do início do campeonato era considerada inferior a Ferrari. E, como corolário da estupefação mundial com o jovem Hamilton, o rapaz prodígio ostenta o título de ser “o primeiro piloto negro na história da Fórmula 1” (tudo bem, aqui no Brasil ele estaria a anos-luz de ser “negão”, mas considere o Reino Unido, seu habitat natural).

Estreantes surpreendentes e promissores não são novidades na Fórmula 1. Em 1950, claro, todos (ainda que alguns já fossem veteranos) eram estreantes, porque a própria categoria o era. Portanto, a primeira corrida, vitória e título de Giuseppe Nino Farina não contam aqui. Mas podemos lembrar de Emerson Fittipaldi, que conquistou sua primeira vitória logo na quarta corrida, em 1970; de Jean Alesi, que no seu primeiro GP, o da França de 1989, terminou em quarto lugar depois de estar em segundo durante a corrida, isso na medíocre Tyrrell; de Montoya, que quase venceu sua primeira corrida na categoria num dos seus primeiros GPs, o do Brasil de 2001; e outras histórias que os 57 anos de competição colecionam. Todavia, mesmo o espanhol mais “alonsomaníaco” há de reconhecer que Hamilton já ultrapassou, pelo menos em matéria de estreante, o limite do plausível. Ele simplesmente ainda não errou, nem em volta rápida de classificação (o que não quer dizer que tenha sido sempre o mais rápido; Fittipaldi quase não fez pole position em sua carreira, mas também quase não errava), nem durante uma corrida. Por exemplo: o inglês tirou as quatro rodas de sua McLaren do asfalto em Mônaco – em Mônaco! Sabe o que é deixar o carro no ar em Mônaco e não bater? Eu não sei. Ainda acho que foi truque da câmera.

Um fenômeno, impossível negar. Até quando ele vai durar? Diz a sabedoria popular que, quanto maior o salto, maior a queda. Isso pode ser verdade. Mas não se viu ainda nenhuma atitude de altivez em Hamilton, dentro ou fora das pistas. No Canadá, ao estacionar o carro depois de fazer a pole, o inglês foi cumprimentar Alonso, que retribuiu ao seu estilo, ou seja, sem nenhum espírito esportivo. Teve que se redimir nos EUA, chegando ao pódio abraçado com Hamilton, numa jogada de marketing do politicamente correto, feita pela McLaren. Aliás, também é evidente que o carro da equipe inglesa tem uma parcela de “culpa” importantíssima no sucesso de Hamilton porque, contrariando as expectativas, está num patamar superior as Ferraris nesta primeira metade da temporada. Ou seja, o que vai acontecer quando o carro falhar, ou a Ferrari acordar? Ou, pior, quando Hamilton errar? Ganhar e perder faz parte de todo esporte, a motor ou não. Stewart, Lauda, Senna, Prost, Schumacher, todos erraram em várias ocasiões, e como erraram! Lewis irá errar, pode ser no próximo GP ou no outro, no outro... Mesmo assim, continuará no lucro se errar por culpa alheia, como se envolver num acidente (provocado por outrem), ser vítima de falha mecânica (culpa da equipe), ou por uma apoteótica recuperação da Ferrari, ou mesmo se cometer um erro “desculpável”. Mas, se cometer um daqueles erros que chamam de “infantis”, e pior ainda, se repeti-los, aí sim, os críticos de plantão vão começar a achincalhá-lo, denegri-lo e desmerecê-lo, tão equivocadamente como os seus mais entusiastas adoradores hoje fazem no sentido contrário.

Pepe, o santista da década de 60, diz que é o maior artilheiro da história do Santos porque, acima dele, só Pelé, e este, segundo Pepe, não é terráqueo, mas de outra galáxia. Dizem que nunca haverá um jogador como Pelé. É um juízo compreensível, mas temerário. Quem garante o quê? Depois de Schumacher, ouvi Reginaldo Leme dizer com todas as letras na televisão: “os recordes de Schumacher nunca serão batidos”. Será? Hamilton é mais novo do que eu. Schumi correu até 35, 36. Quanto tempo o inglês ainda tem? Só peço uma coisa: não peçam para o alemão voltar por causa de Lewis. Pode ser coisa de historiador (desempregado), mas não queiram impor uma competição que o destino (ou Ron Dennis) não quis que houvesse. Schumacher não teve concorrentes à altura entre 1994 e 2004. Deixemos Hamilton onde e como está, para ver se ele tem, ou não, tais concorrentes.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Estrelas urbanas

Engraçado. Sabe aqueles mantras que as pessoas recitam para si e para o mundo? Aquelas frases que parecem tiradas do maravilhoso livro inconsciente de receitas pré-aquecidas para felicidade? Ultimamente tenho pensado muito em duas que se complementam de uma maneira que deixaria orgulhoso o mais verborrágico "professor" do velho e violento esporte bretão: o trabalho ocupa a cabeça de um homem e mente vazia é a oficina do diabo.

Terça é o dia que retrata em cores vibrantes essas duas afirmativas na minha atual rotina. Das 7 da manhã no Jacaré às dez da noite em Icaraí, com direito a uma longa escala em São Cristóvão. Casa, banho e cama, só por volta das onze. Embalado pelo peculiar sistema de transporte público carioca. Minha cabeça tem estado abarrotada de trabalho. Engraçado, novamente. Eu preferia que o diabo estivesse nela jogando paciência, fumando palomitas, bebericando uma taça de Periquita com pausas regulares para ler Rubem Braga, mais precisamente "Eu e Bebu na hora neutra da madrugada", claro. Ele leria essa crônica sem medo de clichês. Afinal, o clichê nada mais é que o resíduo último da incapacidade humana de repintar o óbvio.

Minha mente tem sido pouco artística na terça, nesta e nas das últimas semanas. À excessão do trajeto de retorno à casa, banho e cama. Muitos já passaram pela Ponte Rio-Niterói à noite. Mas vocês já se permitiram sonhar por lá? Sem oferecer riscos ao trânsito, de preferência. Reparem nas luzes da cidade, aquelas que a região portuária carioca nos presenteia por todo o trajeto. Olhos sólidos e claros na travessia de estrelas que é a paisagem urbana noturna. Olhares que me prendem sem aprisionar em qualquer instante. Olhares. E cada estrela de tungstênio ou néon transporta o material que embeleza, entristece, enriquece olhares: vida. Correndo em minha direção como sonhos em busca de almas dispostas a repintar o óbvio. O que cada um de vocês tem vivido? Então finalmente me lembro que também sou um sonho fluindo pelas luzes urbanas da quase-madrugada para mentes dispostas a decorar seus vazios com óbvios repintados. Mente vazia é o castigo do não-criativo, que precisa de rotina para afugentar a mediocridade travestida de chifre e tridente.

Recriar o evidente é reviver o tempo em trânsito como passeio noturno urbanamente estrelado. E não há chá de boa noite no mundo que me faça perder isto. Que se vá o chá. Que fique para admirar as estrelas, prazer nunca passível de fruição solitária, quem o trouxe.

domingo, 3 de junho de 2007

Cai o pano

Aplausos. Música de ninar para o ego humano. A rotina de todas as noites desde a estréia da peça. Será frieza o fato de eu apenas não me importar mais? Mais aplausos. Agora, o buquê entregue pela assistente de palco. Uma reverência e o sorriso. Mais uma noite brilhante, estrelada por uma constelação de gargalhadas, epifanias, emoções. Duas mãos foram pedidas em casamento esta noite. Minha atuação tem sido elogiada em diversos aspectos, pelos mais rigorosos críticos. Até Bárbara Heliodora me chamou para um drinque, acreditam?

Mas o realmente engraçado, trama brilhante da dama irônica e imprevisível que é a vida, é que jamais comentaram meu ato mais brilhante como ator: o sorriso de agradecimento. O sorriso que transmite confiança. Olhares múltiplos trespassam o sorriso com admiração, como se conseguissem sugar toda a essência de confiança e crença na superação da adversidade, na capacidade humana de construção de maravilhas surpreendentes a partir da matéria de sonhos que abundam em nosso cotidiano. Se eles soubessem como eu me odeio. A minha verdadeira arte nem de longe é a prece a Dionísio neste palco semanalmente ensaiada. Não, em hipótese alguma. Aquilo que faço realmente de belo é me odiar, com a última intensidade suportada pela alma humana. Ódio a si próprio não como qualquer arroubo adolescente de quem quer um cabelo liso, um celular novo ou o ex-ficante. Meu ódio é um eterno implorar de quem queria ser somente diferente. Qualquer pessoa diferente. Qualquer um, menos eu, apenas qualquer um diferente.

Aplausos. Dar as costas em um movimento firme, confiante. Distanciar-me do público rumo às coxias. O espelho no camarim, que de tanto me fitar com os olhos da solidão tornou-se minha alma. E neste exato momento minha alma está postada à minha frente, portando uma bela garrucha cenográfica, abençoada com pólvora e uma bala de verdade. Aplausos, mais aplausos. Não mais da platéia, mas da minha alma. Eu me esforço para chorar, mas, pelo visto, encenar uma emoção autêntica é mais fácil do que vivenciá-la. Espero que Bárbara Heliodora não se sinta muito ofendida.

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Ipanema Summer Blues

Será que as pessoas ainda se alistam na Legião Estrangeira? Sempre nos lembraremos de janeiro de 2007 como o pior verão de todos. Culpa, em parte, de um São Pedro definitivamente paulista. Mas no fundo, toda a água que cai do céu só serve para borrar a aquarela de nossas vidas que tentamos pintar. E sabe aqueles trabalhos de jardim da infância que consistiam em jogar tinta em uma folha em branco e depois dobrá-la, para surgir algo muito próximo a uma borboleta? Foi a mesma coisa que a vida fez com minha aquarela borrada hoje, agora, em pleno janeiro de 2007.

Mas desculpem-me a falta de educação, não apresentei o cenário e os personagens antes da digressão inicial. Local: Ipanema, é claro. Culpem Tom e Vinicius, ou os garçons que lhes atendiam, pelas breguices sentimentais executadas em tão manoelcarlístico bairro. Pobre vítima pueril de nossos arroubos movidos a Wando e bebida barata. E um casamento em pleno posto 9 chuvoso é o Pelé das baboseiras do coração. Eternos culpados, Tom, Vinícius e os garçons, e eu nunca soube se eles sequer chegaram a se dar bem com a Helô, vejam só. Sobre os personagens dessa história, agora vem a parte engraçada: dois homens vestidos de noivo e a mulher da minha vida vestida de noiva, além de um monte de gente que não interessa.

Um dos homens vestidos de noivo sou eu. Estranho, não? Pela lógica casamenteira ocidental, somente poucos países mais progressistas aceitariam dois homens vestidos de noivo em um mesmo casamento. E nessa situação, a noiva seria um objeto sem sentido, a não ser que fosse uma drag-queen responsável pela animação da recepção posterior. Mas não era o caso aqui. Na verdade, eu estava invadindo um casamento alheio. E na verdade, mesmo, estava fugindo do meu próprio casamento para estar aqui, pois tinha que guardar em meus olhos a imagem da mulher da minha vida vestida com o branco nupcial. Como de se esperar, a noiva mais linda do mundo. Não me tomem por um monstro insensível, não parei de pensar em Dorinha um instante. Ela sempre esteve lá. Agora, Dorinha continua lá, postada com prováveis lágrimas barrocas em frente ao altar do Mosteiro de São Bento, embora eu não esteja ao seu lado. Mas Dorinha perdoa. Por mais que ela possa se sentir compelida a utilizar os meus bagos como matéria-prima para o buquê de sua próxima tentativa de casamento, Dorinha sempre perdoa.

Quando era mais jovem, sempre tendi a obedecer os impulsos da minha vontade por crer dogmaticamente no paralelo entre minha existência e a força inevitável da natureza. Assim, fazia o que tivesse que ser feito sem jamais levantar a hipótese de uma freada brusca por causas externas em meu caminho. Com o tempo fui percebendo, em meio a solavancos e trombadas, que vontade não constrói estradas de finais previsíveis, o que me levou a entender que sigo meus impulsos não por eles percorrerem trilha certa, mas porque é impossível fugir de quem somos. Tal verdade inegável passou a ter um efeito lorax diante de cada presente de Murphy que não podemos prever, e isso realmente nos ajuda a levar a vida. Quando, por exemplo, chegou o clone do Steaven Seagall e encostou o cano frio de sua arma em minha lombar. Ou quando da maneira com a qual ela disse sim diante da pergunta padrão de um padre para um casal de noivos. A maneira com a qual D. Pedro I disse que ficava, que Getúlio apertou o gatilho e que Collor disse que voltaria. Ou seja, a maneira pintada em cores de uma epopéia-de-final-feliz, embora não menos proféticas, pelas pessoas que as contam, para impressionar e fazer crer de forma mais eficaz.

Mas, conforme a Bílbia sabiamente deixa de alertar, o grande triunfo da mentira sobre a verdade reside no fato de que a segunda surge espontaneamente, mas a primeira envolve suor e força de vontade, e todos nós valorizamos mais aquilo que nos demanda esforço. E o engraçado foi todos esses pensamentos perderem a importância quando chegou o clone do Burt Reynolds e também pôs-se a contar, ainda que com exemplar discrição, com sua taurus quantas vértebras existiam em minha coluna. Tantos figurantes de Ploc 80's brincando de personagens de ação de vinte anos atrás em minhas costas explica-se pelo fato de ela ter escolhido entrar para um clã que faria a contraventora família Andrade parecer as primas freiras de Sandy e Júnior. Só me resta adivinhar se serei jogado das pedras do Arpoador ou do mirante do Leblon. Saco. Será que as pessoas ainda se alistam na Legião Estrangeira?

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Pelo buraco da fechadura

"Será que ele vai nos contar algo de novo por aqui?"
"Eu não sei, se estou escrevendo sobre mim em terceira pessoa, é porque também estou espiando pelo buraco da fechadura."
"Ele é meio maluco, não é? Pelo menos é isso que as pessoas dizem, geralmente, que ele não é muito normal."
"Bem, eu o conheço há 25 anos, e até hoje não o vi fazendo nada que eu considere por demais louco ou excêntrico."
"Que resposta de maluco..."
"Como foi?"
"Nada. Sabe o que é? O pessoal fica preocupado. Será que este ano ele consegue passar? Será que ele arranja um apartamento que façam todos, ou pelo menos uma pessoa, parar de reclamar? Será que ele achou amargo o gosto do próprio sangue em sua boca? Por Deus, que ele não tenha achado doce... Será que ele vai dar certo? Será que ele tem medo de não dar tão certo quanto ele acha que os outros acham que ele deveria dar? Será que..."
"Desculpe interromper. Mas olhe bem para ele. Você o conhece. Ou seja, os personagens e situações presentes no que ele escreve ou faz para o Pernil cantar são estritamente ficcionais, sendo qualquer semelhança com o real apenas mera coincidência. Pelo menos é o que ele vive dizendo, embora nem eu acredite muito. Observe mais atentamente. Como um recém-nascido envolvido pela noite escura ruge impiedosamente pelo seio materno, tudo que ele anseia é o escorrer de algum conteúdo de sua cabeça por seus dedos, aliviando o peso e evitando que o baú de badulaques freudianos em cima de seu pescoço pare de se afogar no travesseiro, fazendo pouco da necessidade de respirar. Ele terá uma noite de sono, então. Não qualquer uma. Mas daquelas onde o travesseiro parece feito com as plumas das aves que viajaram por todos os mundos, os daqui e os dos poetas, e elas (as plumas, pois as aves estarão procurando outros mundos) lhe sussurarão todos os detalhes para que ele futuramente conte para seus afilhados. A cama é um abraço sincero. Sua coberta é puxada por todos os grandes amores que ele ainda conhecerá um dia."
"Mas então o que acontecerá?"
"Não sei, pois não olharei mais pelo buraco desta fechadura. Assim, não há nada a fazer além de desejar a ele sorte. Não espiarei mais, pois tenho uma vida própria para tocar. Não serei eu a contar o final dessa história."

quarta-feira, 28 de março de 2007

Enquanto isso, nos subterrâneos...

Para a amiga Ana Paula, pois sei que ela jamais desistiria.

Ela:
Sentou no banco como uma bomba de efeito moral. Andar ansioso, olhar apressado, cada rachadura de seus lábios escuros tremulando como bailarinas executando movimentos condenados a nunca serem aplaudidos. Suas pupilas percorriam o mapa das estações como se seu destino fosse a quietude plena e final.

Ele:
Não se abalaria nem que uma bomba de efeito moral explodisse ao seu lado. A postura de seu corpo sentado possuía o mesmo formato do jornal que lia ordanamente. Retângulos e tipografias. Teoremas explicariam sua personalidade melhor do que metáforas. Parecia perfeitamente integrado aos objetos de plástico que compunham aquele interior, e sua posição harmonizava-se satisfatoriamente com a direção do movimento realizado pelo vagão. Uma equação perfeita.

Ela:
Para esquerda. Para direita. Apesar do movimento do vagão ocorrer em uma direção única, seu corpo manifestava-se indistintamente em vários percursos próprios. Para direita. Para esquerda. Parecia possuída por mil demônios que dilaceravam sua paz interior e enviavam seus pedaços esquartejados para diferentes recônditos de sua mente. Não dormia há dias. Para esquerda. Para direita. Olhava para cada estação com a força angustiada e represada de quem está na solitária há semanas, pronta para explodir tudo que se interpusesse entre ela e seu destino final de liberdade. Esbarrava em todos que sentavam-se ao seu lado, como quem tenta pedir ajuda sem levantar suspeitas. Para direita. Para esquerda.

Ele:
Os matemáticos só criaram a margem de erro para dotar seu cotidiano do mesmo arrepio doce de quem vai pela primeira vez dizer para ela tudo aquilo que está engasgado há tempos. Equações perfeitas garantem Prêmios Nobéis, mas erros e traçados imperfeitos provocam novos big bangs. Ele tem pensado cada vez mais nisso depois que trocou a Scientific American pelo horóscopo matutino no desjejum das oito. Desde então, passou a encarar sua objetividade centrada como manca, embora não conseguisse perceber de quê. E vendo o calor que emanava do ser insano e pequeno que ao seu lado convulsionava como uma centrífuga, sentia de forma irrecuperável que tinha encontrado a engrenagem para voltar a ser uma máquina, senão perfeita, pelo menos funcional.

Ela:
Como descrever o caos? Para descrever algo, você tem que aprisioná-lo em linhas, aquarelas, photoshop, o que for. Assim, como aprisionar o caos em carne, osso, Ellus e Arnette? Odiava profundamente o fato de ter sido escolhida como prancheta para algum artista metafísico frustrado registrar para a posteridade o que é o caos. Por isso estava sempre em fuga. Passou a vida inteira esperando portas se abrirem, sejam as de seu pensamento, sejam as da estação Cardeal Arco-Verde. Só então, ela podia se juntar à correnteza para longe de tudo que é tão frio. Mas ao seu lado, pela primeira vez ela viu o frio como algo novo. Algo meio estranho, meio parado, mas não de uma maneira enfadonha. Algo meio... casa. Embora aquele cabelo não tenha nada de propriamente caseiro. Ela não sabia, achava tudo tão louco que teve a certeza de que deveria ter carregado mais no Irish Coffee antes de pegar o metrô.

Os dois:
Daquele vulcão de pedra incrustrado no coração do famoso bairro-canção, diariamente era expelido o magma que tanto inspirava novelas, noticiários, reality shows, revistas de fofocas e diários íntimos (à moda antiga, não essa coisa blogueira). Seu colorido era único em sua multiplicidade humanamente bela. A vida sendo respirada por cada poro daquele caos metropolitano:
"Ai, me desculpa, eu derrubei teu jornal!"
"Tudo bem, acontece, deixa que eu me abai..."
"...xei, já abaixei e peguei. Nossa, me empresta a seção de horóscopo? Eu vou lendo, a gente tem que subir mesmo!"
"Tudo bem. Você entende o zodíaco?"
"Não, não sei nem o meu signo, mas gosto de ler e ficar imaginando que essas pessoas terão um dia feliz ao contrário do que foi dito. Você acha que sou louca?"
"Não traço diagnósticos psiquiátricos sobre quem não tenho base empírica para tal."
"Sabia que você era um desses caras de universidade, ou como vocês gostam de pavonear, da academia. Sabia! Só o moicano me deixou um pouco em dúvida, mas eu sabia!"
"Este cabelo é uma longa história que...
"... estou louca para ouvir. Mas já são quase cinco horas, vamos pegar um ônibus até o Arpoador e esperar o pôr-do-sol. Dá para você me contar sobre o cabelo, a tese, o panorama sócio-político e qualquer outra coisa fruto do dinheiro público que tenha nessa cabecinha inteligente. Agora, você só me promete uma coisa?"
"Você é tão impulsiva, eu não sei... não posso... sim, prometo."
"Promete que não vai embora, nem hoje e nem nunca?"

Ele demorou o percurso do 523, a subida nas pedras, o mergulho do sol nos Dois Irmãos até balbuciar um heróico, embora não muito resplandescente, "sim". O qual, aliás, ela nem notou. Mas caso o tivesse feito, teria achado graça, pois as verdadeiras promessas não são feitas com palavras, mas com olhares. E ela já havia obtido o que queria faz tempo.

quinta-feira, 22 de março de 2007

Crônica insone

Faltam exatamente 18 horas para o show do Roger Waters. O que isso significa? Que sou um Floydmaníaco desesperado para ouvir (mais uma vez) Brain Damage? Ou que fico imaginando quais serão os delírios pirotécnicos que acompanharão a execução ipsi literis do Dark Side of the Moon? Não, meus quatro leitores, isso significa que em minhas veias corre a maldição da insônia.

Nosso senso comum tem dotado a noite de grande romantismo. A noite é a musa noir dos poetas, a fiel ama que acoberta os amores proibidos, a perspicaz amiga que acaba de apresentar duas almas gêmeas. Sempre ciceroneada pela Lua, é claro. Invejo a felicidade do indivíduo milenar que plantou tal semente no imaginário ocidental, pois só uma pessoa de sono perfeito teria a noite em tão alta conta.

Imaginem um insone, como eu, com a responsabilidade de pintar a noite para as futuras gerações. Garanto a quem quer que seja que a figura, de Cyrano a Casablanca, seria outra, inominavelmente mais fiel à realidade. À minha, pelo menos...

Vejam a Lua, ó lua, seja blue, seja alva, amada lua cantada em verso e prosa, mãe das declarações mais lindas que mulheres de família e prostitutas de baixo meretrício já ouviram. E por elas suspiraram. Se eu fosse a voz a ser ouvida sobre a pérola mor do céu noturno, ela jamais seria bela, alva, ou blue na voz de Sinatra ou Billie Hollyday. Ela seria mais para esposa, ou melhor, ex-esposa frustrada. Daquelas que invadem sua casa no meio da noite, porque sabe segredos suficientes do porteiro para que o batráquio lhe permita adentrar seu prédio, de chaveiro a tiracolo e recalque a tira-gosto, rumo à sua porta. E o que ela faz, diante da cama em que tanto leram-se livros em madrugadas enfadonhas? Puxa teu cobertor, é claro, quando você estava quase em REM. A lua dos ínsones não é a mesma do poeta, definitivamente.

Algumas horas atrás, percebam só, resolvi seguir alguns conselhos dos tais especialistas. Saí do ambiente mais familiarizado com minha insônia, onde se localiza minha cama/computador/livros/esperanças-de-sono-frustradas. Rumei em direção ao sofá da sala como um marido culpado e insone otimista. Ligar o ventilador, confere. Forrar o móvel, confere. Cobrir-me dos pés à cabeça para burlar a claridade ambiente, confere. Minha mãe meia hora depois cambaleando em minha direção e me batendo como se eu fosse um desconhecido mal-intencionado, confere. Veredicto? Encontrar-se fora do ambiente noturno regular, também denominado meu quarto, e coberto gasparzinhanamente até a cabeça.

Retornei à minha cama cantarolando Mother baixinho para Mr. Waters não ficar ansioso com o conclave próximo. Inevitável pensar, igualmente, que a insônia hereditária era justamente culpa da progenitora. E o pior, já faltam bem menos de 18 horas para o encontro de gerações e lisergias na apoteose. Qualquer dia, meu sono funcionário fantasma ainda me faz acabar como Syd Barrett.

quinta-feira, 15 de março de 2007

Love Story

Naquele final de tarde, raios de sol atravessavam os Arcos da Lapa, da Riachuelo até os meus olhos. Como se Deus pensasse que me cegar com dardos evitaria que eu fizesse o que tivesse que ser feito. Mas eu já faço isso há tempo demais, e, veja bem, este tipo de crise de consciência é facilmente resolvida com óculos de sol. Sim, óculos de sol comprado a cinco reais na Uruguaiana é o custo exato do meu sono à noite.

Entro no velho sobrado e começo a me desviar dos objetos decorativos de sempre: sinuqueiros e bêbados ad eternum. Atravesso o corredor empoeirado de cerveja e vidas desperdiçadas, em busca de quem vim encontrar. Os três estão no final do recinto, preocupados demais em realmente acreditar que não estão sendo notados. Charles Bronson, Chuck Norris e Mr. T. Versão Rio de Janeiro, Brasil. Sim, se hoje faço o que faço, devo a maratonas e mais maratonas de sessão da tarde ao longo dos anos oitenta.

Recepção fria, como de praxe. A especificidade de nossa negociata não nos permite risadas, brindes e tapinhas nas costas. Nem que dediquemos muito tempo a instruções e coordenadas. Entregue a foto, são acertados valores e prazos. Mr. T comenta sobre seu último desenlace amoroso, claro. Aquele que só aconteceu nos sonhos dele, claro. Tal quebra de protocolo apressa minha saída, afinal, gosto de me focar apenas no que deve ser cumprido. Sim, eu poderia estar em qualquer conto do Rubem Fonseca.

Pego o carro, penetro na Riachuelo pensando apenas em maximizar formas de alcance dos resultados pretendidos minimizando o tempo despendido. Como na letra de um samba de algum DCE de estudantes de administração. Todo homem já detestou seu trabalho, sendo que no meu caso não pesam as implicações morais, mas as complicações logísticas de estar eternamente um passo à frente. Esta é a minha metodologia operacional, e eu poderia estar tentando adaptá-la agora ao novo caso. Mas acabaram de bater no meu carro. Eu poderia pensar em ficar violento. Mas dá para notar que é uma mulher no outro volante. Sim, puta merda.

Ela sai do seu carro e vem em minha direção. Deus, é a mulher mais linda que já vi na vida. E olha que ela usa óculos. E olha que ela possui fala tímida e está com o cabelo preso. Ela está gaguejando uma tentativa de "desculpa pela minha desatenção" há dez segundos, e os gagos possuem o dom cigano de transformar dez segundos em dez séculos. E de repente toda uma vida que não tem dado certo, em um país que cresce a 2,9% ao ano, é eclipsada pela minha vontade de apenas lhe dar flores que demorem para murchar. Ou seja, impossível não se sentir um Ricardo Darín em algum filme do Campanella. Sim, ela será péssima para os negócios.

quinta-feira, 8 de março de 2007

Não só teu dia foi ruim hoje

"Porra, seu filho da puta! Você fodeu tudo! Fodeu tudo!". Esta não é a melhor maneira de se acordar, principalmente quando tudo está nublado pela ressaca da madrugada recente. Ainda mais na sacristia, próximo ao local de consagração das hóstias. Não misture lexotan e vinho barato, ela disse. E agora, ela nunca mais dirá nada. E agora, eu terei que limpar todo aquele sangue e lembrar onde ela estaria com aqueles lindos olhos de solidão que eu nunca mais irei fitar de perto. Antes que alguém chegue para soar as primeiras badaladas da manhã. E pelo visto, só conseguirei tomar a primeira dose daquele café amargo de ontem depois que o sol já estiver a pino. E depois que eu conseguir fazer o imbecil parar de gritar que eu fodi tudo (na desgraça e no futebol, há sempre um ignóbil para nos lambuzar com nossos tropeços). Hoje será um dia daqueles.

domingo, 4 de março de 2007

Primeiros erros

Ele entrou naquele espaço, um quê de sítio, um quê de chácara. Pequeno, exalando simpatia e dizeres de boas vindas direto do manto de terra batida. Como todas as pessoas em busca de respostas, ele já estava com seu arsenal de baboseiras pré-concebidas, para jogar na cara de quem quer que lhe devesse tentar apontar as tão sonhadas respostas. Uma saída para a Nárnia religiosa de nossos afro-descendentes, em algum lugar da Brasil (a Avenida, não evoquem correções ortográficas aqui).

Mas isto não foi o cerne. O que importa não foi o visto, mas o ouvido. Não que o visto não tivesse lhe trazido cenas interessantes, um cirque du soleil arcaico de rostos familiares. Mas a pirotecnia macunaíma, bela pela crueza, interessante pela proximidade com os principais envolvidos, não foi o cerne.

Olhos negros, pelo que ele se lembra. Um olhar que o tempo tentou endurecer, mas só fez torná-lo terno e transmissor de uma segurança sólida e maternal. Ternura e segurança são condições primordiais para a paz de espírito alheia, tendo o olhar como fio condutor. E veio a frase: "ele terá um belo futuro se seguir os caminhos certos". Dita do além, pelo olhar seguro e maternal. O resto da noite também não foi o cerne.

O que isso tem a ver com tudo? Ele está no momento certo de encontrar esses tais caminhos de um futuro agradável, por isso está tentando. Coisas novas. Porém, errou galvãobuenamente ao inaugurar sobre si em terceira pessoa.