domingo, 29 de julho de 2007

Momentos em cena

Breve, porém importante, prólogo:

Esta história não contem plágios, apenas homenagens. A honraria, claro que para mim, é contar com três belas cenas de três maravilhosos filmes. Para quem desejar, fica o desafio: tente adivinha-los. Na verdade, estas palavras contêm uma quarta homenagem: para minha grande amiga Ana Paula, sobre quem tenho certeza que continuará seguindo sem desistir jamais. Boa leitura.

Meu Deus, já são cinco horas. Os despachos acumulam-se na minha mesa jogando em meu rosto o atraso inevitável. Impossível não olhar para minha cela de labuta sem imaginar um fosso de cobras amaldiçoadas pelo veneno de mais um dia de trabalho burocrático. Meu rosto impassível disfarçaria para qualquer observador a luta épica que se travava em meu ser entre minha essência workaholic e a vontade de encontrar-me com meu destino. Como deveria estar meu olhar agora? Se é que ainda tenho um olhar, pois às vezes nem sei se continuo com minha alma. Este último pensamento encheu meu terno de coragem, que tomado de vontade própria jogou-se contra o medievo fosso sem se importar com a descarga de adrenalina que meu coração teve que subitamente suportar. Ficaram para trás as cobras, os relatórios e os sonhos frustrados pelos quais nunca lutei, formando um melancólico teatro de fantasmas sombrios, que me direcionaram um último olhar de inveja por ter conseguido escapar. Ainda volto para liberta-los.

De uma só passada aterrizei no elevador que me conduziria ao térreo do Rio Branco 165. Do topo ao térreo, do meu esterelizado céu imaginário às calçadas sujas de pedras portuguesas deslocadas. Rumo ao meu destino. Apenas a uma espera e rostos cotidianos adentrando a cada andar. Mar de olhares vividos diversamente. Como a moça de face cansada de atuar em um dos diversos apartamentos do edifício subdivididos em placebos para a solidão alheia. Seus olhos enviavam mensagens implorando por socorro urgente. Meus olhos recebiam esses sinais com a compreensão de quem já os produziu. Pois essa era a principal rotina deles na primeira vez em que cruzei com meu destino, quando estávamos naquele congresso sobre números, potencialização de lucros e formas não-ditas e diversas de pensar sobre suicídio. Na cafeteria, quando ela percorreu meus braços com seus dedos, nunca nada me pareceu tão correto. A maneira como ela fechava os olhos e inclinava levemente seu rosto, enquanto eu percorria calmamente seus lábios, nunca nada me pareceu tão correto. Enquanto Nina Simone nos hipnotizava melodiosamente, nos trazendo em sua voz almas salvas de noites solitárias no momento certo, você dançando de olhos fechados me alertando sobre a possibilidade d'eu não conseguir voltar para a minha mesmice lentamente letal. A coragem ter sugerido ao pé de meu ouvido concordar com seu alerta como minha promessa de eterna entrega a você, nunca nada me pareceu tão correto.

Lembranças presas na gaiola de metal que descia de forma lenta, hesitante, ouso dizer. O mar se revoltava de mais e mais correntezas de destinos incertos. Um par de olhos sábios o suficiente para pousar no mundo com a sensação de maravilhamento de como quem vive pela primeira vez. Por baixo de aros pesados de plástico escuro, o conhecimento de que para se manter a chama da primeira vez, basta vivê-la sempre de forma diferente, ainda que com a mesma pessoa. Repetir não é viver, e sim o nobre ofício de papagaios e pessoas pequenas. Ou seja, tudo a que se resumia minha rotina aspirante à vida. Ou seja, tudo que, para minha bênção, foi dragado pelo teu corpo em L ao meu lado, com teus longos cabelos negros emoldurando todas as razões para eu jamais deixar de ser digno de seu olhar de entrega. O mesmo sol que te levou pela manhã me mostrou, enquanto atordoado eu procurava por possíveis vestígios teus, o pedaço de papel amassado com um telefone de hotel escrito com batom.

“O que você quer pedir?”
“Pergunta metafísica ou pragmática mesmo?”
“Como?”
“Nada. Uma cerveja escura. Mais para adocicada.”
“Uma garrafa de Periquita e a melhor marca de brown ale que você tiver, por favor.”
“Meu Deus. Como você pode ser tão obtuso?”
“Tudo bem... garçom, você poderia trocar a Brown ale por uma skolzinha mesmo?”
“Nossa, eu poderia gargalhar agora! Só não o faço porque é a minha vida e você continua parte dela. Estou cansada de investir em algo natimorto, nunca consegui entender se você realmente tem capacidade para se importar ou não. Distância não se mede só pelo espaço físico, mas pela intensidade do olhar. E cada vez que tento ver se há qualquer resquício de vida aí dentro, eu que acabo morrendo. Lentamente. É muito chato ouvir sua própria marcha fúnebre. Desde nossa primeira noite no hotel até todas as outras. É por isso que estou indo embora.”
“Mas... talvez eu seja somente um morto aprendendo a viver pela primeira vez com você e...”
“Mais alguma coisa, senhor?”
“Como? Onde está...”
“A tua companhia, senhor? Creio que ela está entrando naquele táxi agora.”
“parem aquele táxi...”
“Se me permite, caso o senhor corra em direção ao veículo bradando ao invés de sibilar pateticamente, talvez surta o efeito que acho que o senhor pretende”
“PAREM A MERDA DO TÁXI!”
“Como, amigo, é comigo? Você está bem, correndo como um louco, esse olhar desesperado como quem estagnou eternamente no último suspiro antes de morrer? Senhora, você tem certeza que quer baixar a janela para falar com este louco?”
“O que você quer?”
“Eu... não vou conseguir dormir esta noite”
“Eu também não”

Não consigo situar em época alguma quando se deu nosso último diálogo, apesar de me lembrar da respiração exata onde cada sílaba foi libertada. É como se eu o tivesse arrancado do tempo e o emoldurado dentro da minha alma, eu sempre soube que você iria marcá-la de alguma maneira, eternamente. Agora, só preciso arranjar um jeito de fazer parar de doer e soprar vida na lembrança de você, para que possamos repintar tudo com as cores fortes da tua personalidade que se impõem pelo seu olhar. Meus Deus, não perdi a mania de falar contigo como se estivesses ao meu lado. Depois de todo esse tempo, minha alma tentou escapar pela minha garganta quando te vi olhando sarcasticamente as pinturas de celebridades feitas pelos artistas de rua da Rio Branco. Como se ela se jogasse em direção à tua com a certeza da necessidadede rumar ao seu destino. Observei-te semanas, tentando criar o momento perfeito para retomar você. O fato d'eu finalmente ter caído em mim que momentos perfeitos são os espontâneos mostra que finalmente conseguiremos viver de forma plena o que merecemos. Da janela do táxi, te busco pelo trajeto que você fez ao longo de toda essa semana. De repente, uma silhueta de costas. A tua. É hora. Salto para você ignorando banalidades como trocados e transeuntes, não voltarei a parar até te alcançar. Naquela hora, as janelas que fitavam de cima a correnteza humana daquela avenida movimentada viram tua face baixa, encostada em meu ombro, bailando candidamente ao sabor da gravidade, e meus ouvidos sussurando palavras que sempre só pertencerão a nós. Naquele dia, todos aqueles prédios tão altos viram dois destinos serem selados. Para sempre.

terça-feira, 17 de julho de 2007

Ligeiro desabafo

Senhor. De um lado, Celso Roth e o tal do 3-6-1. De outro, Dunga, 4 cabeças-de-bagre, e a imprensa incensando o futebol que só ela e os seguidores de Lazaroni viram. Obina e Abedi substituíram Zico e Roberto, Romário e Bebeto e, vá lá, Edmundo e Sávio. São tempos estranhos, e o Maracanã cada dia mais me surge como um templo altero, distante. Eu não quero viver em um mundo de meninos lutando para comprar a camisa 5 no lugar da 10. Se lágrimas descessem do meu rosto agora, elas se organizariam com apenas um atacante e nenhum meia capaz de dar um passe de mais de 5 metros. Eu não quero viver em um mundo onde meninos comemoram o desarme no lugar do balãozinho. Se lágrimas descessem do meu rosto agora, elas cometeriam cerca de 30 faltas por tempo, às ordens de um "professor". Eu também sou professor, mas não mando meus alunos colarem. Eu não quero viver em um mundo onde meninos não acreditam mais em amor à primeira vista e futebol espetáculo. Aliás, grafemos como futebol-espetáculo. Torçamos para que o hífen preserve o que ex-cabeças de área medíocres querem separar.