quinta-feira, 28 de junho de 2007

Lewis Hamilton

Texto de autoria do meu grande amigo, profundo conhecedor dos mistérios automobilísticos, e arqueduque de Magalhães Bastos: Fernando Gil, ou, para os que merecem, Dom Ferdinando. Meu nobre, este espaço é teu sempre que manifestar vontade!

Em todos os sites especializados, colunas nos jornais, programas de televisão, boletins de rádio e conversas entre fãs de automobilismo, o deslumbramento é geral: “Lewis Hamilton é um gênio” é a frase sempre ouvida, mesmo da boca dos mais céticos. Não é para menos: nas sete primeiras corridas de Fórmula 1 na vida, sete pódios consecutivos, duas vitórias, duas poles e a liderança do campeonato. Seu companheiro de equipe: o atual bicampeão Fernando Alonso, que ganhou dois títulos em cima de Michael Schumacher. A equipe: McLaren, que antes do início do campeonato era considerada inferior a Ferrari. E, como corolário da estupefação mundial com o jovem Hamilton, o rapaz prodígio ostenta o título de ser “o primeiro piloto negro na história da Fórmula 1” (tudo bem, aqui no Brasil ele estaria a anos-luz de ser “negão”, mas considere o Reino Unido, seu habitat natural).

Estreantes surpreendentes e promissores não são novidades na Fórmula 1. Em 1950, claro, todos (ainda que alguns já fossem veteranos) eram estreantes, porque a própria categoria o era. Portanto, a primeira corrida, vitória e título de Giuseppe Nino Farina não contam aqui. Mas podemos lembrar de Emerson Fittipaldi, que conquistou sua primeira vitória logo na quarta corrida, em 1970; de Jean Alesi, que no seu primeiro GP, o da França de 1989, terminou em quarto lugar depois de estar em segundo durante a corrida, isso na medíocre Tyrrell; de Montoya, que quase venceu sua primeira corrida na categoria num dos seus primeiros GPs, o do Brasil de 2001; e outras histórias que os 57 anos de competição colecionam. Todavia, mesmo o espanhol mais “alonsomaníaco” há de reconhecer que Hamilton já ultrapassou, pelo menos em matéria de estreante, o limite do plausível. Ele simplesmente ainda não errou, nem em volta rápida de classificação (o que não quer dizer que tenha sido sempre o mais rápido; Fittipaldi quase não fez pole position em sua carreira, mas também quase não errava), nem durante uma corrida. Por exemplo: o inglês tirou as quatro rodas de sua McLaren do asfalto em Mônaco – em Mônaco! Sabe o que é deixar o carro no ar em Mônaco e não bater? Eu não sei. Ainda acho que foi truque da câmera.

Um fenômeno, impossível negar. Até quando ele vai durar? Diz a sabedoria popular que, quanto maior o salto, maior a queda. Isso pode ser verdade. Mas não se viu ainda nenhuma atitude de altivez em Hamilton, dentro ou fora das pistas. No Canadá, ao estacionar o carro depois de fazer a pole, o inglês foi cumprimentar Alonso, que retribuiu ao seu estilo, ou seja, sem nenhum espírito esportivo. Teve que se redimir nos EUA, chegando ao pódio abraçado com Hamilton, numa jogada de marketing do politicamente correto, feita pela McLaren. Aliás, também é evidente que o carro da equipe inglesa tem uma parcela de “culpa” importantíssima no sucesso de Hamilton porque, contrariando as expectativas, está num patamar superior as Ferraris nesta primeira metade da temporada. Ou seja, o que vai acontecer quando o carro falhar, ou a Ferrari acordar? Ou, pior, quando Hamilton errar? Ganhar e perder faz parte de todo esporte, a motor ou não. Stewart, Lauda, Senna, Prost, Schumacher, todos erraram em várias ocasiões, e como erraram! Lewis irá errar, pode ser no próximo GP ou no outro, no outro... Mesmo assim, continuará no lucro se errar por culpa alheia, como se envolver num acidente (provocado por outrem), ser vítima de falha mecânica (culpa da equipe), ou por uma apoteótica recuperação da Ferrari, ou mesmo se cometer um erro “desculpável”. Mas, se cometer um daqueles erros que chamam de “infantis”, e pior ainda, se repeti-los, aí sim, os críticos de plantão vão começar a achincalhá-lo, denegri-lo e desmerecê-lo, tão equivocadamente como os seus mais entusiastas adoradores hoje fazem no sentido contrário.

Pepe, o santista da década de 60, diz que é o maior artilheiro da história do Santos porque, acima dele, só Pelé, e este, segundo Pepe, não é terráqueo, mas de outra galáxia. Dizem que nunca haverá um jogador como Pelé. É um juízo compreensível, mas temerário. Quem garante o quê? Depois de Schumacher, ouvi Reginaldo Leme dizer com todas as letras na televisão: “os recordes de Schumacher nunca serão batidos”. Será? Hamilton é mais novo do que eu. Schumi correu até 35, 36. Quanto tempo o inglês ainda tem? Só peço uma coisa: não peçam para o alemão voltar por causa de Lewis. Pode ser coisa de historiador (desempregado), mas não queiram impor uma competição que o destino (ou Ron Dennis) não quis que houvesse. Schumacher não teve concorrentes à altura entre 1994 e 2004. Deixemos Hamilton onde e como está, para ver se ele tem, ou não, tais concorrentes.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Estrelas urbanas

Engraçado. Sabe aqueles mantras que as pessoas recitam para si e para o mundo? Aquelas frases que parecem tiradas do maravilhoso livro inconsciente de receitas pré-aquecidas para felicidade? Ultimamente tenho pensado muito em duas que se complementam de uma maneira que deixaria orgulhoso o mais verborrágico "professor" do velho e violento esporte bretão: o trabalho ocupa a cabeça de um homem e mente vazia é a oficina do diabo.

Terça é o dia que retrata em cores vibrantes essas duas afirmativas na minha atual rotina. Das 7 da manhã no Jacaré às dez da noite em Icaraí, com direito a uma longa escala em São Cristóvão. Casa, banho e cama, só por volta das onze. Embalado pelo peculiar sistema de transporte público carioca. Minha cabeça tem estado abarrotada de trabalho. Engraçado, novamente. Eu preferia que o diabo estivesse nela jogando paciência, fumando palomitas, bebericando uma taça de Periquita com pausas regulares para ler Rubem Braga, mais precisamente "Eu e Bebu na hora neutra da madrugada", claro. Ele leria essa crônica sem medo de clichês. Afinal, o clichê nada mais é que o resíduo último da incapacidade humana de repintar o óbvio.

Minha mente tem sido pouco artística na terça, nesta e nas das últimas semanas. À excessão do trajeto de retorno à casa, banho e cama. Muitos já passaram pela Ponte Rio-Niterói à noite. Mas vocês já se permitiram sonhar por lá? Sem oferecer riscos ao trânsito, de preferência. Reparem nas luzes da cidade, aquelas que a região portuária carioca nos presenteia por todo o trajeto. Olhos sólidos e claros na travessia de estrelas que é a paisagem urbana noturna. Olhares que me prendem sem aprisionar em qualquer instante. Olhares. E cada estrela de tungstênio ou néon transporta o material que embeleza, entristece, enriquece olhares: vida. Correndo em minha direção como sonhos em busca de almas dispostas a repintar o óbvio. O que cada um de vocês tem vivido? Então finalmente me lembro que também sou um sonho fluindo pelas luzes urbanas da quase-madrugada para mentes dispostas a decorar seus vazios com óbvios repintados. Mente vazia é o castigo do não-criativo, que precisa de rotina para afugentar a mediocridade travestida de chifre e tridente.

Recriar o evidente é reviver o tempo em trânsito como passeio noturno urbanamente estrelado. E não há chá de boa noite no mundo que me faça perder isto. Que se vá o chá. Que fique para admirar as estrelas, prazer nunca passível de fruição solitária, quem o trouxe.

domingo, 3 de junho de 2007

Cai o pano

Aplausos. Música de ninar para o ego humano. A rotina de todas as noites desde a estréia da peça. Será frieza o fato de eu apenas não me importar mais? Mais aplausos. Agora, o buquê entregue pela assistente de palco. Uma reverência e o sorriso. Mais uma noite brilhante, estrelada por uma constelação de gargalhadas, epifanias, emoções. Duas mãos foram pedidas em casamento esta noite. Minha atuação tem sido elogiada em diversos aspectos, pelos mais rigorosos críticos. Até Bárbara Heliodora me chamou para um drinque, acreditam?

Mas o realmente engraçado, trama brilhante da dama irônica e imprevisível que é a vida, é que jamais comentaram meu ato mais brilhante como ator: o sorriso de agradecimento. O sorriso que transmite confiança. Olhares múltiplos trespassam o sorriso com admiração, como se conseguissem sugar toda a essência de confiança e crença na superação da adversidade, na capacidade humana de construção de maravilhas surpreendentes a partir da matéria de sonhos que abundam em nosso cotidiano. Se eles soubessem como eu me odeio. A minha verdadeira arte nem de longe é a prece a Dionísio neste palco semanalmente ensaiada. Não, em hipótese alguma. Aquilo que faço realmente de belo é me odiar, com a última intensidade suportada pela alma humana. Ódio a si próprio não como qualquer arroubo adolescente de quem quer um cabelo liso, um celular novo ou o ex-ficante. Meu ódio é um eterno implorar de quem queria ser somente diferente. Qualquer pessoa diferente. Qualquer um, menos eu, apenas qualquer um diferente.

Aplausos. Dar as costas em um movimento firme, confiante. Distanciar-me do público rumo às coxias. O espelho no camarim, que de tanto me fitar com os olhos da solidão tornou-se minha alma. E neste exato momento minha alma está postada à minha frente, portando uma bela garrucha cenográfica, abençoada com pólvora e uma bala de verdade. Aplausos, mais aplausos. Não mais da platéia, mas da minha alma. Eu me esforço para chorar, mas, pelo visto, encenar uma emoção autêntica é mais fácil do que vivenciá-la. Espero que Bárbara Heliodora não se sinta muito ofendida.