quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Duas almas em dois momentos pessoais

Observou-a à distância, pela vitrine da loja. É claro que chovia, seria uma incoerência se São Pedro não despejasse sobre a calçada de pedras portuguesas sua insatisfação pela existência daquela distância entre estes dois, fruto de teimosia travestida de maturidade. Observou-a mais um pouco, como quem corta os pulsos lentamente, e pensou que a maior dor de um homem é amar a quem não se pode ter. Permaneceu do lado de fora, estático, como uma imagem secundária, um espectro tendendo ao desaparecimento. Logo ele, que já tinha desempenhado um papel tão central na vida dela, agora não passava de uma presença etérea. Sombra, distância e esquecimento. Paradas de um cortejo fúnebre rumo à solidão que ele nunca mais imaginara habitar novamente. Pelo menos não causada por ela. E seu coração cansado já não tinha mais forças para bombear sangue para o resto de um corpo condenado à inércia de uma tarde chuvosa de novembro.

Observou-o à distância, de rabo de olho, assim que ele se postou na calçada próxima à vitrine. Não conteve o riso, pois só ele mesmo acharia que não seria notado, assim, uma estátua cujo céu se encarregava de colocar lágrimas de chuva em sua face. Ela sabia que ele a devia estar achando linda, mesmo com os cabelos negros e lisos alinhados ao rosto molhado pela chuva, e com aquela capa velha que se revelara totalmente inútil na prevenção a resfriados futuros. Só ele mesmo para pensar uma sandice dessas. Pelo visto, ainda teria muito a lhe ensinar sobre seu jeito todo especial, que ele mesmo vive a repetir que tanto lhe encanta. Ela gostaria de lhe dizer qual seria o fim dessa história, mas não tinha todas as respostas, nem todas as certezas, apenas todos os seus impulsos. E estes sempre remetiam a ele no final, seja via pensamento, seja via toques de lábio e pele. E esse homem tão bobo e tão menino não conseguia compreender essa diferente maneira de gostar, e por isso estava se arriscando a uma tuberculose tão à toa. Apenas para formar em sua mente uma cena de despedida digna de um Campanella, só tida como certa pelo seu ego tão dramático. Deus, que alma teatral! Não saberemos se ele gostará do presente que ela acabou de pedir para embrulhar, nem se ela se tornará menos confusa, e ele menos teatral. Mas, certamente, será adorável acompanhar de longe cada passo dessas fascinantes almas, torcendo para que desistam dessa tolice de magoar um ao outro.

5 comentários:

Leonardo disse...

Se o tempo de espera entre uma postagem sua e outra se reverter em textos como esse, posso dizer que vale a pena.

Abração querido

Mauro Amoroso disse...

De tempos eu queria que minha vida não me inspirasse texto nenhum, apenas me deixasse no mais completo ócio criativo e me proporcionasse paz, e um tipo de felicidade que seja verdadeira, sincera, espontânea, e não um conto de fadas com gosto de ressaca e abuso no dia seguinte. Curioso, não?

Ana disse...

"e pensou que a maior dor de um homem é amar a quem não se pode ter."

Bem, baby, acho que dor maior do que essa é amar e ter alguém e, ainda assim, não ser feliz. Ter e não ter depende do jeito como se conduz a posse do ser amado.
Acho que, no fim das contas, ninguém tem ninguém, só a si mesmo. A companhia apenas ameniza as tantas noites de frio que temos de passar.
E isso não é manifesto a favor da solidão, mas sim ao amor próprio. Às vezes, me pego pensando em Narciso e achando muito mais prudente morrer de amor por si mesmo.

Mauro Amoroso disse...

Mas a questão não é morrer de amor por si ou por outro. Mas o porquê de ter que haver morte no processo...

Arte complexa disse...

O amor é um sentimento curioso (ao meu ver), pode ser bom e ruim. Vejo este sentimento como um animal selvagem. Começa tímido mas, na medida em que cresce, fica difícil domá-lo. Se soltarmos, ele arranha, morde. Isso pq não é um sentimento egoísta, caminha ao lado de vários outros (ciúme, medo, etc.)
Infelizmente, não temos a capacidade de sentir o amor puro, sem os sentimentos acessórios que ele atrai.
Nossa, viajei.
Enfim, adorei teu blog, teus textos. Acho que serei visita constante aqui...
Beijos
Carla Beatriz