segunda-feira, 23 de abril de 2007

Pelo buraco da fechadura

"Será que ele vai nos contar algo de novo por aqui?"
"Eu não sei, se estou escrevendo sobre mim em terceira pessoa, é porque também estou espiando pelo buraco da fechadura."
"Ele é meio maluco, não é? Pelo menos é isso que as pessoas dizem, geralmente, que ele não é muito normal."
"Bem, eu o conheço há 25 anos, e até hoje não o vi fazendo nada que eu considere por demais louco ou excêntrico."
"Que resposta de maluco..."
"Como foi?"
"Nada. Sabe o que é? O pessoal fica preocupado. Será que este ano ele consegue passar? Será que ele arranja um apartamento que façam todos, ou pelo menos uma pessoa, parar de reclamar? Será que ele achou amargo o gosto do próprio sangue em sua boca? Por Deus, que ele não tenha achado doce... Será que ele vai dar certo? Será que ele tem medo de não dar tão certo quanto ele acha que os outros acham que ele deveria dar? Será que..."
"Desculpe interromper. Mas olhe bem para ele. Você o conhece. Ou seja, os personagens e situações presentes no que ele escreve ou faz para o Pernil cantar são estritamente ficcionais, sendo qualquer semelhança com o real apenas mera coincidência. Pelo menos é o que ele vive dizendo, embora nem eu acredite muito. Observe mais atentamente. Como um recém-nascido envolvido pela noite escura ruge impiedosamente pelo seio materno, tudo que ele anseia é o escorrer de algum conteúdo de sua cabeça por seus dedos, aliviando o peso e evitando que o baú de badulaques freudianos em cima de seu pescoço pare de se afogar no travesseiro, fazendo pouco da necessidade de respirar. Ele terá uma noite de sono, então. Não qualquer uma. Mas daquelas onde o travesseiro parece feito com as plumas das aves que viajaram por todos os mundos, os daqui e os dos poetas, e elas (as plumas, pois as aves estarão procurando outros mundos) lhe sussurarão todos os detalhes para que ele futuramente conte para seus afilhados. A cama é um abraço sincero. Sua coberta é puxada por todos os grandes amores que ele ainda conhecerá um dia."
"Mas então o que acontecerá?"
"Não sei, pois não olharei mais pelo buraco desta fechadura. Assim, não há nada a fazer além de desejar a ele sorte. Não espiarei mais, pois tenho uma vida própria para tocar. Não serei eu a contar o final dessa história."