sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

A vida após o comercial de margarina

O Diretor: Atenção, gente! Silêncio na sala! 1, 2, 3... gravando!

esposa perfeita e preocupada com a saúde da família: Bom dia, meus amores! Meu pequerrucho filho, você poderia abrir a cortina para que esses matinais raios-de-sol possam inundar nosso desjejum com a alegria do dia que se inicia?

marido leitor de Içami Tiba e safenado: Bom dia, meu amor! Bom dia, meu idolatrado filhote! Prontos para se deliciar com os belíssimos brioches e baguetes recém-saídos do forno que trouxe para o nosso ensolarado café-da-manhã?

filho adolescente mentalmente especial: Esperem, adorados progenitores! Não falta mais um pingo de primavera para dar um sabor especial ao nosso bílbico alimento? O que seria? Leite desnatado? Frutas frescas? Declarações de amor filial para vocês dois?

esposa perfeita e marido safenado, em um uníssono que faria o elenco original de “A noviça rebelde” esboçarem um sorriso (de orgulho... ou pena?): Não, especial filho! O que seria? Flores do campo silvestre recém-colhidas? O arrulhar dos pombos que denunciam o amor perfeito? O buquê da noiva caindo nas mãos de seu amante que teima em sonhar que um dia estará no lugar do noivo?

filho adolescente mentalmente especial: Não, estupendos pais, me refiro à margarina Manhã Campestre (marca registrada), a única que previne o entupimento das artérias penianas, casando o trigo nosso de cada dia com o sabor e o humor para não sugerirmos a nossos pagadores que bitoquem o lado escuro de seus ânus!

marido leitor de Içami Tiba e safenado: Mas é claro, filho que tanto me orgulha! Era o que eu precisava para finalmente acertar o nó da minha gravata e encarar minha rotina entediante como esfuziante! Agora posso ir para o meu ganha-pão, afinal, se não se ganhasse o pão, não se necessitaria de margarina (risos da claque que ficou desempregada entre o término de “Chavez” e a gravação desse comercial).

O Diretor: Corta! Excelente trabalho em uma única tomada! Boa noite a todos!

Enquanto O Diretor virava de costas para seguir sua vida, tornou um último olhar àquela disfuncional família de atores. A mulher acendeu um cigarro: “Porra, amor, ainda bem que não tive que lhe dar um beijo na cena de hoje, seu hálito está intragável. Quando você abandonou o hábito de escovar os dentes?” “No exato momento em que você passou a utilizar minhas escovas para limpar os recônditos mais fecais do toalete, meu anjo. E por falar nisso, sabe o que achei hoje no quarto de nosso filho? Uma pedra jamaicana e um vibrador com a estampa da banda Kiss.” “Cacete, Adamastor, já falei para você parar de brincar com nossas coisas de adulto!” “Foi mal aê, mãe, já devolvi sua erva e o vibrador do pai”. Ah, se os malditos diretores de marketing soubessem o quanto seria mais significativo que se filmasse a vida como ela é (marca igualmente registrada)...