quarta-feira, 9 de maio de 2007

Ipanema Summer Blues

Será que as pessoas ainda se alistam na Legião Estrangeira? Sempre nos lembraremos de janeiro de 2007 como o pior verão de todos. Culpa, em parte, de um São Pedro definitivamente paulista. Mas no fundo, toda a água que cai do céu só serve para borrar a aquarela de nossas vidas que tentamos pintar. E sabe aqueles trabalhos de jardim da infância que consistiam em jogar tinta em uma folha em branco e depois dobrá-la, para surgir algo muito próximo a uma borboleta? Foi a mesma coisa que a vida fez com minha aquarela borrada hoje, agora, em pleno janeiro de 2007.

Mas desculpem-me a falta de educação, não apresentei o cenário e os personagens antes da digressão inicial. Local: Ipanema, é claro. Culpem Tom e Vinicius, ou os garçons que lhes atendiam, pelas breguices sentimentais executadas em tão manoelcarlístico bairro. Pobre vítima pueril de nossos arroubos movidos a Wando e bebida barata. E um casamento em pleno posto 9 chuvoso é o Pelé das baboseiras do coração. Eternos culpados, Tom, Vinícius e os garçons, e eu nunca soube se eles sequer chegaram a se dar bem com a Helô, vejam só. Sobre os personagens dessa história, agora vem a parte engraçada: dois homens vestidos de noivo e a mulher da minha vida vestida de noiva, além de um monte de gente que não interessa.

Um dos homens vestidos de noivo sou eu. Estranho, não? Pela lógica casamenteira ocidental, somente poucos países mais progressistas aceitariam dois homens vestidos de noivo em um mesmo casamento. E nessa situação, a noiva seria um objeto sem sentido, a não ser que fosse uma drag-queen responsável pela animação da recepção posterior. Mas não era o caso aqui. Na verdade, eu estava invadindo um casamento alheio. E na verdade, mesmo, estava fugindo do meu próprio casamento para estar aqui, pois tinha que guardar em meus olhos a imagem da mulher da minha vida vestida com o branco nupcial. Como de se esperar, a noiva mais linda do mundo. Não me tomem por um monstro insensível, não parei de pensar em Dorinha um instante. Ela sempre esteve lá. Agora, Dorinha continua lá, postada com prováveis lágrimas barrocas em frente ao altar do Mosteiro de São Bento, embora eu não esteja ao seu lado. Mas Dorinha perdoa. Por mais que ela possa se sentir compelida a utilizar os meus bagos como matéria-prima para o buquê de sua próxima tentativa de casamento, Dorinha sempre perdoa.

Quando era mais jovem, sempre tendi a obedecer os impulsos da minha vontade por crer dogmaticamente no paralelo entre minha existência e a força inevitável da natureza. Assim, fazia o que tivesse que ser feito sem jamais levantar a hipótese de uma freada brusca por causas externas em meu caminho. Com o tempo fui percebendo, em meio a solavancos e trombadas, que vontade não constrói estradas de finais previsíveis, o que me levou a entender que sigo meus impulsos não por eles percorrerem trilha certa, mas porque é impossível fugir de quem somos. Tal verdade inegável passou a ter um efeito lorax diante de cada presente de Murphy que não podemos prever, e isso realmente nos ajuda a levar a vida. Quando, por exemplo, chegou o clone do Steaven Seagall e encostou o cano frio de sua arma em minha lombar. Ou quando da maneira com a qual ela disse sim diante da pergunta padrão de um padre para um casal de noivos. A maneira com a qual D. Pedro I disse que ficava, que Getúlio apertou o gatilho e que Collor disse que voltaria. Ou seja, a maneira pintada em cores de uma epopéia-de-final-feliz, embora não menos proféticas, pelas pessoas que as contam, para impressionar e fazer crer de forma mais eficaz.

Mas, conforme a Bílbia sabiamente deixa de alertar, o grande triunfo da mentira sobre a verdade reside no fato de que a segunda surge espontaneamente, mas a primeira envolve suor e força de vontade, e todos nós valorizamos mais aquilo que nos demanda esforço. E o engraçado foi todos esses pensamentos perderem a importância quando chegou o clone do Burt Reynolds e também pôs-se a contar, ainda que com exemplar discrição, com sua taurus quantas vértebras existiam em minha coluna. Tantos figurantes de Ploc 80's brincando de personagens de ação de vinte anos atrás em minhas costas explica-se pelo fato de ela ter escolhido entrar para um clã que faria a contraventora família Andrade parecer as primas freiras de Sandy e Júnior. Só me resta adivinhar se serei jogado das pedras do Arpoador ou do mirante do Leblon. Saco. Será que as pessoas ainda se alistam na Legião Estrangeira?