quinta-feira, 22 de março de 2007

Crônica insone

Faltam exatamente 18 horas para o show do Roger Waters. O que isso significa? Que sou um Floydmaníaco desesperado para ouvir (mais uma vez) Brain Damage? Ou que fico imaginando quais serão os delírios pirotécnicos que acompanharão a execução ipsi literis do Dark Side of the Moon? Não, meus quatro leitores, isso significa que em minhas veias corre a maldição da insônia.

Nosso senso comum tem dotado a noite de grande romantismo. A noite é a musa noir dos poetas, a fiel ama que acoberta os amores proibidos, a perspicaz amiga que acaba de apresentar duas almas gêmeas. Sempre ciceroneada pela Lua, é claro. Invejo a felicidade do indivíduo milenar que plantou tal semente no imaginário ocidental, pois só uma pessoa de sono perfeito teria a noite em tão alta conta.

Imaginem um insone, como eu, com a responsabilidade de pintar a noite para as futuras gerações. Garanto a quem quer que seja que a figura, de Cyrano a Casablanca, seria outra, inominavelmente mais fiel à realidade. À minha, pelo menos...

Vejam a Lua, ó lua, seja blue, seja alva, amada lua cantada em verso e prosa, mãe das declarações mais lindas que mulheres de família e prostitutas de baixo meretrício já ouviram. E por elas suspiraram. Se eu fosse a voz a ser ouvida sobre a pérola mor do céu noturno, ela jamais seria bela, alva, ou blue na voz de Sinatra ou Billie Hollyday. Ela seria mais para esposa, ou melhor, ex-esposa frustrada. Daquelas que invadem sua casa no meio da noite, porque sabe segredos suficientes do porteiro para que o batráquio lhe permita adentrar seu prédio, de chaveiro a tiracolo e recalque a tira-gosto, rumo à sua porta. E o que ela faz, diante da cama em que tanto leram-se livros em madrugadas enfadonhas? Puxa teu cobertor, é claro, quando você estava quase em REM. A lua dos ínsones não é a mesma do poeta, definitivamente.

Algumas horas atrás, percebam só, resolvi seguir alguns conselhos dos tais especialistas. Saí do ambiente mais familiarizado com minha insônia, onde se localiza minha cama/computador/livros/esperanças-de-sono-frustradas. Rumei em direção ao sofá da sala como um marido culpado e insone otimista. Ligar o ventilador, confere. Forrar o móvel, confere. Cobrir-me dos pés à cabeça para burlar a claridade ambiente, confere. Minha mãe meia hora depois cambaleando em minha direção e me batendo como se eu fosse um desconhecido mal-intencionado, confere. Veredicto? Encontrar-se fora do ambiente noturno regular, também denominado meu quarto, e coberto gasparzinhanamente até a cabeça.

Retornei à minha cama cantarolando Mother baixinho para Mr. Waters não ficar ansioso com o conclave próximo. Inevitável pensar, igualmente, que a insônia hereditária era justamente culpa da progenitora. E o pior, já faltam bem menos de 18 horas para o encontro de gerações e lisergias na apoteose. Qualquer dia, meu sono funcionário fantasma ainda me faz acabar como Syd Barrett.

3 comentários:

Ana disse...

Nem me fale em insônia!!! Sou uma das que tem a visita dessa senhora cotidianamente. Essa senhora rouba o meu sono e me faz pensar em coisas que eu gostaria de esquecer, pelo menos, nas poucas horas em que o sono faria descansar a minha matéria e deixaria o espírito livre para vaguear por aí.
Mas tirando essa coisa que me consome as noites ultimamente, não descreve a lua, please, deixa ela nos moldes do imaginário humano... Assim fica menos penoso não ter sono.
E bom show!

Leonardo disse...

acho que todos nós já sofremos, ou sofremos ou ainda, sofreremos com a insônia... sempre nos alcançando, por mais que façamos o possível e o impossível... lemos, cantamos, contamos, e nada... nada... e mais nada...

Spoony disse...

ótima cronica! sao cinco da manha, eu nao consigo durmir... muito pertinente a leitura ...
bjim!