terça-feira, 26 de junho de 2007

Estrelas urbanas

Engraçado. Sabe aqueles mantras que as pessoas recitam para si e para o mundo? Aquelas frases que parecem tiradas do maravilhoso livro inconsciente de receitas pré-aquecidas para felicidade? Ultimamente tenho pensado muito em duas que se complementam de uma maneira que deixaria orgulhoso o mais verborrágico "professor" do velho e violento esporte bretão: o trabalho ocupa a cabeça de um homem e mente vazia é a oficina do diabo.

Terça é o dia que retrata em cores vibrantes essas duas afirmativas na minha atual rotina. Das 7 da manhã no Jacaré às dez da noite em Icaraí, com direito a uma longa escala em São Cristóvão. Casa, banho e cama, só por volta das onze. Embalado pelo peculiar sistema de transporte público carioca. Minha cabeça tem estado abarrotada de trabalho. Engraçado, novamente. Eu preferia que o diabo estivesse nela jogando paciência, fumando palomitas, bebericando uma taça de Periquita com pausas regulares para ler Rubem Braga, mais precisamente "Eu e Bebu na hora neutra da madrugada", claro. Ele leria essa crônica sem medo de clichês. Afinal, o clichê nada mais é que o resíduo último da incapacidade humana de repintar o óbvio.

Minha mente tem sido pouco artística na terça, nesta e nas das últimas semanas. À excessão do trajeto de retorno à casa, banho e cama. Muitos já passaram pela Ponte Rio-Niterói à noite. Mas vocês já se permitiram sonhar por lá? Sem oferecer riscos ao trânsito, de preferência. Reparem nas luzes da cidade, aquelas que a região portuária carioca nos presenteia por todo o trajeto. Olhos sólidos e claros na travessia de estrelas que é a paisagem urbana noturna. Olhares que me prendem sem aprisionar em qualquer instante. Olhares. E cada estrela de tungstênio ou néon transporta o material que embeleza, entristece, enriquece olhares: vida. Correndo em minha direção como sonhos em busca de almas dispostas a repintar o óbvio. O que cada um de vocês tem vivido? Então finalmente me lembro que também sou um sonho fluindo pelas luzes urbanas da quase-madrugada para mentes dispostas a decorar seus vazios com óbvios repintados. Mente vazia é o castigo do não-criativo, que precisa de rotina para afugentar a mediocridade travestida de chifre e tridente.

Recriar o evidente é reviver o tempo em trânsito como passeio noturno urbanamente estrelado. E não há chá de boa noite no mundo que me faça perder isto. Que se vá o chá. Que fique para admirar as estrelas, prazer nunca passível de fruição solitária, quem o trouxe.

3 comentários:

Leonardo disse...

engraçado.... este trajeto me é muito familiar... mas a ponte é muito gostosa de atravessar, mas só de vez em quando... quando vira rotina é uma merda.... é que nem homem na cozinha... adoramos cozinhar, mas só fazemos isso de quando em nunca e não todos os dias.... acho que andar na ponte é isso para mim....
e engraçado novamente... reclamamos quando estamos sem fazer porra nenhuma e reclamamos quando temos muito o que fazer.... buda tem razão, é foda achar o caminho do meio....

O Nome da Rosa disse...

"Engraçado, novamente. Eu preferia que o diabo estivesse nela jogando paciência, fumando palomitas, bebericando uma taça de Periquita com pausas regulares para ler Rubem Braga, mais precisamente "Eu e Bebu na hora neutra da madrugada", claro. Ele leria essa crônica sem medo de clichês. Afinal, o clichê nada mais é que o resíduo último da incapacidade humana de repintar o óbvio."

Que caô... Vc quis muito que o estado te chamasse. hehe

Mauro Amoroso disse...

Heheheheheh, quis e não reclamo, mas todo mundo gosta de reclama da ausência do ócio, mas sem voltar pra ele,hehehehehehe